A atuação do Banco de Portugal que culminou na decisão de separação entre BES/Novo Banco visou (sem discutir aqui a sua eficácia) isolar o BES – os depositantes e clientes de retalho – dos riscos emergentes do ramo não-financeiro do Grupo Espírito Santo.
Para cumprir esse objetivo impôs ao banco a constituição de uma provisão de 700 milhões de Euros nas contas de 2013. Uma reserva de valor para compensar os clientes a quem tinha sido vendido – nos balcões do banco – títulos de dívida (papel comercial) das empresas do grupo.
A medida impunha-se porque se entendia que o não cumprimento por parte das empresas do GES (Rioforte e ESI) poderia causar problemas reputacionais ao BES. Em parte, também porque os pequenos aforadores estão sujeitos a níveis de proteção diferentes dos grandes investidores institucionais.
Nas contas apresentadas em 30 de julho o banco reforçou essas provisões em 550 milhões, o que parece perfazer um total provisionado suficiente para fazer face aos 1.100 milhões de papel comercial da Rioforte e da ESI colocado junto dos clientes de retalho.
A 14 de agosto, dias depois da resolução do BES, o Banco de Portugal publicita o seu acordo a várias propostas da administração do Novo Banco para reembolso de clientes de retalho do banco que tinham comprado 3 tipos de instrumentos: (i) obrigações BES; (ii) títulos de participação em veículos especiais e (iii) detentores de papel comercial.
Esta proposta de reembolso estava condicionada à verificação de várias condições como a verificação de que se tratavam de clientes de retalho, que não eram acionistas, gestores do GES ou pessoas relacionadas e que a solução encontrada não prejudicasse a solvabilidade e a liquidez do Novo Banco.
[caption align="right"] cópia de uma ficha de produto (papel comercial da ESI) com clara referência à garantia de capital e juros gentilmente cedida por um antigo cliente[/caption]
Na altura, a condição da solvabilidade parecia assegurada pelas provisões antes constituídas, e a sua capacidade de pagamento através de soluções como a possibilidade de trocar esta dívida por depósitos bancários, forma de manter a liquidez no Novo Banco.
Porém, apesar das variadas promessas de que a solução para o papel comercial estava para breve, esta nunca chegou a ser apresentada aos clientes. Mesmo a declarada intenção de reembolso publicada na página do Novo Banco foi retirada. Recuperemo-la
“O Papel Comercial emitido pela ESI e Rio Forte transitam para o NOVO BANCO, e este mantém a intenção de assegurar o reembolso, na maturidade, do capital investido pelos seus clientes não institucionais junto das redes comerciais do Grupo BES de então.”
No balanço de abertura do Novo Banco já não se encontra nenhuma referência às provisões constituídas para este efeito. Apenas aparece registada uma provisão de 450 milhões para os clientes de retalho que investiram nos tais veículos especiais.
Este recuo acontece em simultâneo com a mudança de estratégia, para uma venda apressada do Novo Banco. E é legítimo perguntar: será que o Novo Banco tem responsabilidades para com estes clientes? Afinal, a decisão de investir em papel comercial, ou seja, títulos de dívida que, por natureza, comportam risco e não garantem reembolso de capital foi dos clientes. A resposta é não, o Novo Banco não tem responsabilidades. A não ser que, comprovadamente, estes clientes tenham sido enganados. A não ser que, de forma danosa, o banco tenha prometido a estes pequenos aforradores condições falsas, como juros ou capital garantido. A não ser que, comprovadamente, tenha sido omitida informação relevante, como o buraco nas contas do GES. A não ser, finalmente, que estes clientes não possuíssem, comprovadamente, capacidade para avaliar a informação que lhes estava a ser fornecida.
Independentemente desta avaliação, que deve ser feita, há, no mínimo, um dever de clareza por parte do Banco de Portugal e do Novo Banco quanto ao destino destas obrigações.
Artigo de Mariana Mortágua, publicado no blogue Disto Tudo