Candidato do centro-esquerda vence presidenciais no Panamá

07 de maio 2019 - 12:23

Laurentino Cortizo, candidato do Partido Revolucionário Democrático (PRD), de centro-esquerda, venceu as eleições presidenciais realizadas no Panamá, beneficiando da divisão da direita e do sistema maioritário a uma volta para a escolha do chefe de Estado. Por Jorge Martins

porJorge Martins

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Laurentino Cortizo, candidato do PRD de centro-esquerda, venceu as eleições presidenciais realizadas no Panamá
Laurentino Cortizo, candidato do PRD de centro-esquerda, venceu as eleições presidenciais realizadas no Panamá

Num sufrágio muito disputado, realizado neste domingo, o vencedor obteve apenas 33,2%, enquanto o seu principal adversário, Rómulo Roux, um conhecido advogado de negócios, muito ligado ao setor financeiro, antigo presidente da administração do Canal do Panamá e ex-ministro das relações exteriores, que concorreu pelo partido do Câmbio Democrático (CD), de centro-direita, se ficou pelos 31,0%.

Na terceira posição ficou o independente Ricardo Lombana. Advogado, antigo jornalista e baterista de uma banda na sua juventude, apresentou-se com um programa de direita populista, onde constavam medidas contra a corrupção, a par de cortes nas despesas públicas e nos subsídios sociais, uma reforma regressiva da Segurança Social e um maior controlo da imigração, com base na elaboração de um novo texto constitucional, conseguiu 19,1% dos boletins válidos.

Por seu turno, José Blandón, o candidato apresentado pelo Partido Panamista, a que pertence o atual presidente José Luís Varela, constitucionalmente impedido de concorrer a um segundo mandato, ficou-se pelos 10,6%.

O quinto lugar foi para a independente Ana Matilde Gómez, uma advogada defensora dos direitos humanos e antiga procuradora-geral, cargo de que foi afastada, acusada de abuso de poder, que obteve 4,8%.

Votação residual teve o candidato da formação de esquerda Frente Ampla para a Democracia (FAD), o sindicalista Saúl Méndez, que vítima do “voto útil”, não foi além de 0,7% dos sufrágios válidos.

O mesmo sucedeu a Marco Ameglio, um independente da direita conservadora, dissidente do PP, que apresentou uma plataforma extremamente reacionário em matéria de costumes, opondo-se ao casamento LGBTI e ao aborto, e de imigração, com reforço do controlo das fronteiras. Em contrapartida, afirmava-se defensor do meio ambiente e da legalização da canábis medicinal. Ficou em último lugar, com 0,6%.

Os votos brancos e nulos somaram 2,3% dos entrados nas urnas. Por fim, a participação eleitoral cifrou-se em 73,0% dos inscritos.

Do ponto de vista administrativo, o Panamá encontra-se dividido em 10 províncias e cinco comarcas, regiões administrativas especiais, onde habitam várias comunidades indígenas, uma no Norte e as outras quatro no Sul e Sueste do país.

O novo presidente foi mais votado nas áreas rurais, em especial nas comarcas meridionais, onde obteve a maioria absoluta dos sufrágios ou ficou próximo dela. Venceu em seis das dez províncias e em todas as comarcas. Ou seja, o voto indígena foi decisivo para o seu triunfo.

Já o seu principal adversário, Rómulo Roux, venceu na capital, Cidade do Panamá, e nas áreas urbanas próximas, bem como na antiga zona do canal, controlada pelos EUA até 2000, de onde é natural. Foi ainda o mais votado em Bocas del Toro, no Nordeste. Ao invés, saiu-se menos bem entre os expatriados.

Por seu turno, Ricardo Lombona venceu entre os panamianos do exterior e obteve os melhores resultados nas áreas urbanas, mas teve votações residuais nas comarcas.

Entretanto, o oficialista José Blandón teve os melhores desempenhos nas zonas rurais do Norte e em algumas comarcas, mas fraquejou claramente na capital e sua área metropolitana.

A única mulher candidata, Ana Matilde Gómez, conseguiu as melhores votações na capital e nas áreas urbanas do Centro, bem como entre os residentes no exterior, mas teve fracos desempenhos no resto do país.

Quanto ao candidato da esquerda, Saúl Mendez, apenas teve resultados com algum significado no Nordeste e numa comarca indígena do Sueste, onde obteve votações entre os 2 e os 3%.

Por fim, Marco Ameglio teve votações medíocres em todo o território, não ultrapassando 1% dos votos em nenhuma região.

Apesar de eleito por um partido de centro-esquerda, fundado pelo populista de esquerda Omar Torrijos, que governou ditatorialmente o país entre 1968 e 1981, quando foi vítima de um misterioso acidente aéreo, como podemos ver aqui, o novo presidente é um próspero empresário dos setores da construção civil e do agronegócio.

Antigo ministro da agricultura, na administração de Martin Torrijos, filho do primeiro, entre 2004 e 2006, demitiu-se por discordar das disposições relativas aos controlos sanitários agrícolas no acordo de livre comércio assinado entre o Panamá e os EUA, algo que terá a ver mais com a sua perspetiva de ganadeiro que de uma qualquer posição anticapitalista. Em 2009, não foi além de um terceiro lugar nas primárias e, em 2014, apoiou a candidatura de Juan Carlos Navarro, que seria derrotado pelo presidente cessante, José Luís Varela. Este ano, obteve a nomeação do partido, ao obter cerca de 2/3 dos votos nas respetivas primárias.

Na sua plataforma eleitoral, afirma ter como objetivos a luta contra a pobreza e os problemas sociais, através da manutenção de programas como a “cesta básica”, e o ataque à corrupção, através de algumas alterações constitucionais. Católico devoto, é contrário ao casamento LGBTI e ao aborto. Defende, no entanto, a legalização da canábis medicinal.

Como é vulgar na América Latina, realizaram-se, no mesmo dia, as eleições legislativas e autárquicas.

As primeiras destinam-se a escolher os 71 deputados da Assembleia Nacional, a única câmara parlamentar panamiana. Estes são eleitos através de um sistema misto de voto paralelo: 26 são eleitos em círculos uninominais, num sistema maioritário a uma volta, e os restantes 45 em 13 circunscrições plurinominais, cujas magnitudes variam entre 2 e 7, de acordo com o sistema de quociente eleitoral simples. Para a atribuição dos mandatos remanescentes, aquele é dividido por 2. Os que restarem serão atribuídos aos maiores restos.

Como se pode ver, o sistema eleitoral favorece as forças políticas de maior dimensão.

Daí que, com cerca de 96% dos votos contados e faltando apenas distribuir 12 lugares remanescentes, o Partido Revolucionário Democrático (PRD) e o seu aliado, o liberal-conservador Movimento Liberal Republicano Nacionalista (MOLIRENA) tenham já 30 mandatos dos 59 mandatos já atribuídos (29 para o primeiro e um para o segundo). Segue-se a coligação entre o Câmbio Democrático (CD) e o Partido da Aliança, uma dissidência do primeiro, igualmente de centro-direita, com 17 lugares, todos do primeiro. Por fim, o Partido Panamista e os seus aliados democrata-cristãos do Partido Popular (PP) têm oito. Foram, ainda, eleitos quatro candidatos independentes. A Frente Ampla para a Democracia (FAD) não deverá obter representação parlamentar.

Mesmo que não obtenha a maioria absoluta, para o que teria de ficar com seis dos 12 lugares ainda em disputa, o novo presidente terá, à partida, condições de governabilidade, já que pode pactuar com alguns dos independentes eleitos.

Tudo indica, pois, que pouco deverá mudar no país, cuja relativa prosperidade no contexto regional tem por base as receitas da passagem de navios pelo canal e o seu estatuto de “paraíso fiscal”.

Artigo de Jorge Martins para o esquerda.net

Jorge Martins
Sobre o/a autor(a)

Jorge Martins

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra