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Brexit: marcação de eleições é a próxima frente de batalha

Perdida a maioria conservadora no parlamento, e com este em conflito aberto com o governo, novas eleições são a única saída para o impasse no Brexit. Quem as convocará, como, e para quando, será a batalha nas próximas semanas.
Jeremy Corbyn e Boris Johson frente-a-frente no debate parlamentar de quarta-feira, 4 de setembro de 2019. Foto: Jess Taylor/UK Parliament/Flickr.
Jeremy Corbyn e Boris Johson frente-a-frente no debate parlamentar de quarta-feira, 4 de setembro de 2019. Foto: Jess Taylor/UK Parliament/Flickr.

A saga do Brexit prossegue num frenesim de desfecho imprevisível. Em duas semanas, o primeiro-ministro Boris Johnson impôs uma suspensão ao parlamento, perdeu entretanto a sua maioria parlamentar, viu o parlamento impor uma lei que o obriga a evitar uma saída sem acordo pedindo um novo adiamento, e procurou avançar de imediato para novas eleições, também sem sucesso. Com governo e parlamento em conflito aberto, e sem qualquer maioria no parlamento exceto para evitar o no deal, o impasse é completo. A realização de novas eleições é a única saída, mas também aí há divisões, que serão o principal campo de batalha para as próximas semanas: quem convocará, como e quando.

Para já, a possibilidade de no deal a 31 de outubro parece afastada, embora nem isso seja inteiramente certo. Na quarta-feira, 4 de setembro, foi aprovada a chamada Benn Bill, proposta pelo deputado trabalhista Hillary Benn, que obriga o primeiro-ministro a pedir à UE um adiamento da saída por três meses, para 31 de janeiro de 2020, caso não consiga obter um acordo até 31 de outubro. Num debate parlamentar tenso e frenético, Boris Johnson disse que a proposta retirava ao governo todo o poder negocial perante Bruxelas e ameaçou de expulsão os conservadores que votassem a favor dela. Não obstante, duas dezenas de deputados conservadores quebraram a disciplina de voto e alinharam com a oposição. Foram expulsos da bancada conservadora, passando para independentes ou para a bancada liberal-democrata. A Benn Bill foi aprovada com 329 votos de toda a oposição mais os conservadores rebeldes, contra 300 alinhados com o governo.

Com a estratégia de sair da UE a 31 outubro com ou sem acordo derrotada, e a maioria parlamentar perdida, Boris Johnson de imediato procurou aprovar no parlamento a realização de novas eleições. Mas a oposição desconfia de tal forma de Johnson que recusou convocar eleições nos seus termos. A prioridade da oposição, à esquerda e ao centro, foi garantir a entrada em vigor da Benn Bill e assim impedir Johnson de desobedecer-lhe através de algum artificio jurídico, ou do controlo do calendário eleitoral. A Benn Bill entra em vigor na próxima segunda-feira.

As batalhas que se seguem jogar-se-ão na marcação do calendário eleitoral. Mas aqui acaba a união da oposição e começam as divisões entre esquerda e centro. À esquerda, o campo alinhado com Jeremy Corbyn pretende eleições rapidamente, mas ao centro a vontade é parar não só o Brexit como impedir um governo Corbyn. E a linha entre centro e esquerda passa por dentro do partido trabalhista.

No final de agosto, a proposta de Corbyn para derrubar o governo através de moção de censura e liderar um governo provisório para adiar o Brexit e organizar novas eleições colocou os centristas do seu partido e os libdems sob pressão. Mas a liderança trabalhista acabou por recuar, acordando com os lidbems uma estratégia de manobras parlamentares para impedir o no deal e deixando para depois a questão das eleições. O recuo reforçou os centristas no Labour face a Corbyn, que apesar de minoritários na base trabalhista continuam a dominar o grupo parlamentar, peça-chave para qualquer intervenção. A sua prioridade é adiar o mais possível a realização de eleições, mantendo o parlamento a controlar os acontecimentos entretanto.

Mas quanto mais se adie eleições, mais Boris Johnson poderá apresentar-se como o defensor da democracia que quer ir a votos, quando apenas há uma semana era acusado de golpista na imprensa e nas ruas — mais uma reviravolta mirabolante que o Brexit pode produzir. A estratégia de Boris Johnson passa por reagrupar os conservadores como o partido do Brexit, apresentando-se como o campeão da decisão popular do referendo de 2016 que acabará com a saga de uma vez por todas. Pode assim conter a ameaça na extrema-direita do Brexit Party de Nigel Farage. Uma estratégia que funcionará tanto melhor quanto consiga colar os trabalhistas à imagem de partido do remain e das tricas parlamentares contra a vontade do povo.

Neste momento, na questão crucial da marcação de novas eleições, a liderança trabalhista dá sinais de recuo por falta de força no grupo parlamentar, e a impaciência cresce à esquerda. Na quinta-feira, a posição da liderança trabalhista era que avançaria já na próxima segunda-feira no parlamento para a convocação de novas eleições. Mas esta sexta-feira Emily Thornberry, ministra-sombra de Corbyn para os negócios estrangeiros, abriu a porta para convocar eleições mais tarde.

As contradições trabalhistas, entre a via de esquerda representada por Corbyn, apostada numa agenda de classe com um discurso socialista, e a via de centro apontada inteiramente ao remain, estão assim a tornar-se cada vez mais salientes e difíceis de conciliar. Da sua resolução dependerá também o futuro do projeto corbynista. Na próxima semana poderá tornar-se claro se haverá eleições ainda em outubro, se passarão para novembro ou mais tarde ainda.

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