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Brasil: Temer de novo na berlinda

Demite-se o principal articulador político do governo Temer, Geddel Vieira de Lima, acusado de tráfico de influências por um ex-colega de gabinete. O próprio presidente da República pode estar envolvido no caso. O PSOL vai entrar com um pedido de impeachment de Temer. Por Luis Leiria, de Recife.
Geddel Vieira Lima demitiu-se do governo de Temer. Foto Agềncia Brasil
Geddel Vieira Lima demitiu-se do governo de Temer. Foto Agềncia Brasil

Desta vez é o próprio Michel Temer que pode estar diretamente envolvido num escândalo de tráfico de influências que abalou o seu governo e provocou a demissão de mais dois ministros do seu gabinete: Marcelo Calero, da Cultura, há uma semana, e Geddel Vieira Lima, da Secretaria do Governo, esta sexta-feira. A gravação de uma conversa entre o ministro da Cultura e Temer pode revelar o envolvimento do presidente nas pressões para que o Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (Iphan), organismo subordinado ao Ministério da Cultura, deixasse de pôr obstáculos à construção de um edifício de luxo do interesse de Geddel. A gravação terá sido feita pelo próprio Marcelo Calero, como precaução, e a sua divulgação, caso se concretize, pode deixar Temer realmente em maus lençóis. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) já anunciou que deu entrada na Câmara de Deputados de um pedido de impeachment de Temer.

Enquadrado” pelo presidente

Segundo Calero, o próprio Temer o convocou ao Palácio do Planalto em 17 de novembro para uma reunião em que ele foi "enquadrado" pelo presidente, ansioso por resolver a disputa entre Calero e Geddel. Calero demitiu-se no dia seguinte, e “afundou atirando”. Deu uma entrevista à Folha de S. Paulo em que afirma que Geddel, o braço-direito de Temer e então articulador político do governo, o procurou pelo menos cinco vezes – por telefone e pessoalmente – para que o Iphan aprovasse o projeto imobiliário. Em pelo menos duas dessas conversas, Geddel admitiu ser o proprietário de um apartamento no empreendimento. "E aí, como é que eu fico nessa história?", terá dito a Calero.

"Entendi que tinha contrariado de maneira muito contundente um interesse máximo de um dos homens fortes do governo", afirmou o ex-ministro da Cultura na entrevista.

O projeto imobiliário La Vue Ladeira da Barra previa a construção de um prédio de 30 andares numa zona histórica de Salvador. O Iphan apenas autorizava a construção de 13. Acontece que Geddel Vieira Lima comprara (na planta) um apartamento no 23º andar.

Calero justificou a gravação e a sua atuação no episódio afirmando: “cumpri minha obrigação como cidadão brasileiro que não compactua com o ilícito e que age respeitando e valorizando as instituições”.

O sexto ministro a demitir-se

Durante quase uma semana, Temer tentou manter Geddel no governo, numa altura em que está a ser votada no Senado a emenda constitucional, já aprovada na Câmara dos Deputados, que reduz drasticamente os gastos sociais do governo por um período de 20 anos. Mas nesta sexta, com a divulgação da existência de uma gravação, ao sentir que ele próprio poderia ser atingido, Temer aceitou a demissão de Geddel. Diante das denúncias do ex-ministro da Cultura, há a possibilidade de Temer ser citado numa investigação da Procuradoria Geral da República.

Geddel Vieira Lima foi o sexto ministro a demitir-se. Antes dele, saíram Henrique Alves, do Turismo, Fábio Osório, da Advocacia Geral da União, Romero Jucá, do Planejamento, Fabiano Silveira, da Transparência e Marcelo Calero, da Cultura. Com exceção deste último, praticamente todos os demais deixaram o cargo por notícias que os implicavam em situações no mínimo duvidosas.

Estranho no ninho”

Já Marcelo Calero mostrou ser um “estranho no ninho” no governo Temer. Diplomata de carreira, deixou a secretaria de Cultura do Rio para aceitar o convite do então governo interino para assumir a pasta da Cultura. A sua posse deu-se num momento de grande contestação ao governo por parte dos artistas, porque originalmente Temer extinguira o Ministério da Cultura. Vários nomes que haviam sido convidados antes recusaram. Calero arriscou, foi vaiado em eventos culturais, mas mesmo assim manteve-se firme. Agora que saiu, afirmou: “eu sou um cidadão de classe média, servidor público, diplomata de carreira. O único bem relevante que eu tenho na minha vida é a minha reputação, a minha honra.”

Já Geddel argumentou que saía por ver “o sofrimento dos meus familiares”.

PSOL entra com impeachment

Nas reações à crise, o senador Aécio Neves deve ter batido o recorde de cinismo ao pôr em causa a iniciativa de Calero de gravar a conversa com Temer: “Não acho adequado, não acho compreensível que um ministro de estado entre com um gravador para gravar uma conversa com o presidente da República. Não me parece algo ético.” Aécio não foi dessa opinião quando foram gravadas ilegalmente – e divulgadas publicamente – conversas entre a então presidente Dilma e o ex-presidente Lula.

Já o PSOL anunciou que irá dar entrada na próxima segunda-feira, na Câmara dos Deputados, um pedido de impeachment contra o presidente Michel Temer por crime de responsabilidade, com base nas denúncias de Calero. "Agora sim estamos diante de um crime de responsabilidade sem margem para dúvidas", afirma o deputado Ivan Valente.

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Jornalista do Esquerda.net
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