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Brasil faz ensaio de greve geral pelo direito à reforma

Manifestações em 19 capitais de estado e no Distrito Federal. Cerca de 800 mil pessoas foram às ruas pelo direito a aposentar-se, posto em causa por nova proposta de emenda constitucional de Temer. Por Luís Leiria
A multidão tomou a avenida Paulista, centro financeiro do país. Foto de Ricardo Stuckert
A multidão tomou a avenida Paulista, centro financeiro do país. Foto de Ricardo Stuckert

O Brasil viveu esta quarta-feira uma jornada de lutas e greves de protesto contra as alterações que o governo Temer quer introduzir na Previdência (Segurança Social). A jornada constituiu um ensaio de greve geral, com cidades como São Paulo, a maior do país, a amanhecer quase totalmente paralisada, sem metro e autocarros a funcionar.

Houve protestos em pelo menos 19 capitais de estados e mais o Distrito Federal, e muitas mobilizações em cidades importantes do interior. Os destaques foram para a imponente manifestação na avenida Paulista, em São Paulo, tomada por uma multidão calculada em 200 mil pessoas, a do Rio de Janeiro, com cerca de cem mil, e a de Belo Horizonte, com entre 60 e cem mil pessoas.

No total, terão saído às ruas 800 mil trabalhadores e trabalhadoras, convocados pelas centrais sindicais e movimentos populares, numa iniciativa unitária que há muito não ocorria e que só aconteceu por pressão das bases e pela dureza do ataque do governo.

Reformar-se fica cada vez mais impossível

Pelas regras atuais, os trabalhadores homens podem aposentar-se com qualquer idade após 35 anos de contribuição ao INSS, enquanto as mulheres podem fazê-lo após 30 anos de contribuição, também sem idade mínima. Além disso, também podem reformar-se por idade: os homens aos 65 anos, desde que tenham pelo menos 15 anos de contribuição; as mulheres aos 60 anos, também com pelo menos 15 anos de contribuição. 

Com a contrarreforma que Temer quer impor, o trabalhador, seja homem ou mulher, tem de ter contribuído durante pelo menos 25 anos e ter a idade mínima de 65 anos de idade para ter acesso à reforma. Ao contrário do que acontece agora, é preciso que se verifiquem ambos os fatores; quem chegar aos 65 anos com menos de 25 anos de contribuição ou atingir os mesmos 25 anos de trabalho antes dos 65 anos de idade, não poderá pedir a reforma.

O presidente Temer (que, aliás, se reformou aos 54 anos e acumula pensões e salários) alega que as mudanças são necessárias por causa do “rombo” da Previdência, que, a manter-se, irá inviabilizar as reformas. Mas especialistas e sindicalistas alegam que não há défice e sim superavit, e que ao falar em défice o governo está a misturar as contas da Segurança Social com as da Saúde, que são coisas completamente diferentes – a saúde é um serviço público cujos gastos têm de sair do Orçamento do Estado e não das contribuições de trabalhadores e patrões para a futura reforma.

O Parlamento e a PEC 287

Na câmara dos deputados, a proposta de emenda constitucional 287, que introduz as alterações na Previdência, parece estar encaminhada para ser aprovada pela “base aliada” que sustenta o governo. O relator da emenda, o deputado Arthur Maia, do PPS, recebeu doações de 300 mil reais para a sua campanha eleitoral por parte de empresas de previdência privada.

Já o presidente da Comissão Especial que analiza a PEC é o deputado federal Carlos Marun, do PMDB, e homem de confiança da Presidência para comandar a sua aprovação. Ele é membro da bancada ruralista (latifundiários e agronegócio) e foi um dos mais leais e ativos integrantes da tropa de choque do ex-presidente da Câmara e ex-deputado Eduardo Cunha, defendendo-o até ao fim e indo depois visitá-lo à cadeia.

Resta saber se depois dos grandes protestos do 15M não se abrirão brechas entre as bancadas parlamentares dos defensores do governo e das suas medidas.

Ainda nesta quarta-feira, uma juíza de Porto Alegre (capital do Rio Grande do Sul) determinou a suspensão da campanha publicitária patrocinada pelo governo em defesa da “reforma” da Previdência, considerando que se trata de “publicidade de programa de reformas que o partido político que ocupa o poder no governo federal pretende ver concretizadas”, e que a campanha poderia ser realizada pelo partido em questão, desde que não utilizasse recursos públicos. “O debate político dessas ideias”, acrescentou, deve ser feito no Legislativo, cabendo às partes sustentarem as suas decisões.

A caminho da greve geral?

A jornada de quarta-feira demonstrou que, ao contrário do que aconteceu com a chamada “PEC do Fim do Mundo”, que reduz os gastos sociais do orçamento de estado, a contrarreforma previdenciária já é amplamente impopular e a população brasileira está disposta a sair às ruas para defender o seu direito de ter a reforma no final de uma vida de trabalho. Por outro lado, é a primeira vez, desde há muitos anos, que a classe trabalhadora organizada dá uma demonstração de força deste calibre.

No final da jornada de quarta-feira, a palavra “greve geral” já estava na boca do povo.

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Jornalista do Esquerda.net
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