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Bolsonaro perde força nas municipais do Brasil

Sem controlar uma máquina partidária, presidente optou por apoiar candidaturas diversas e avulsas. O resultado poderá ser pífio. Sondagens mostram que o fenómeno do bolsonarismo está a perder impulso aceleradamente. Por Luis Leiria.
Bolsonaro exibe cartaz de apoio à candidatura de Crivella à prefeitura do Rio, durante emissão live pela web.
Bolsonaro exibe cartaz de apoio à candidatura de Crivella à prefeitura do Rio, durante emissão live pela web.

O Brasil vai hoje a votos pela primeira vez desde as presidenciais de 2018 que elegeram o capitão reformado Jair Bolsonaro Presidente da República. Neste domingo, os eleitores escolhem os prefeitos (presidentes de câmara) e vereadores (deputados municipais) de 5.570 municípios. Este será, inevitavelmente, o primeiro teste eleitoral ao governo Bolsonaro.

Estas eleições, porém, são muito diferentes das presidenciais, e também das que elegem governadores de Estados, senadores, deputados federais e estaduais (que ocorrem junto com as da Presidência). Nas municipais, o elemento local tem muito mais importância, assim como a influência do caciquismo, da compra de votos e um largo etc. Por isso, as comparações têm de ser feitas com alguma precaução.

Para complicar, este ano há um fator de incerteza, a pandemia de Covid-19, que teve efeitos devastadores no país – mais de 165 mil óbitos até agora. Diferente dos Estados Unidos, onde os eleitores recorreram ao voto por correspondência ou antecipado, no Brasil não existe nenhuma dessas possibilidades e o voto é obrigatório. Mas o eleitor pode justificar a sua ausência às urnas, uma possibilidade que foi facilitada através de um aplicativo no telemóvel. Assim, é difícil saber que influência terá a pandemia no comparecimento dos eleitores às cabines de voto.

Bolsonarismo perde impulso

Seja como for, estas eleições são uma forma de medir a temperatura política do país. Analisando as sondagens nas mais importantes cidades, incluindo as capitais de Estado, é possível encontrar algumas tendências. E a mais importante constatação neste momento é que o fenómeno do bolsonarismo está a perder impulso aceleradamente.

Em 2018, ilustres desconhecidos foram eleitos governadores de Estado, como Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, apenas por terem o apoio de Bolsonaro. Este ano, a realidade mudou muito: das seis candidaturas apoiadas por ele, somente o capitão Wagner, candidato em Fortaleza, capital do Ceará, tem a ida ao segundo turno garantida. Wagner, no entanto, tem escondido o apoio de Bolsonaro.

Em contrapartida, candidatos como Celso Russomanno em S. Paulo e Marcelo Crivella (ambos do partido Republicanos), no Rio de Janeiro, que chegaram a liderar as sondagens antes do apoio de Bolsonaro, disputam agora com dificuldade o 2º lugar e uma eventual passagem ao segundo turno.

Em Recife, a Delegada Patrícia, candidata do Podemos, caiu quatro pontos logo que foi divulgado o apoio de Bolsonaro, e está fora do segundo turno. Em Belo Horizonte, Bruno Engler, do PRTB, não passa do 4º lugar na última sondagem. Em Manaus, o coronel Menezes, do partido Patriota, está ainda pior: em 6º lugar.

Como se explicam semelhantes resultados? Acabou o bolsonarismo? Não acabou, mas está muito abalado. É verdade que as sondagens ainda dão um apoio ao governo superior aos 30%, chegando nalgumas a atingir os 40%, resultado que é atribuído ao auxílio de emergência de 600 reais dado pelo governo federal aos mais pobres, devido à pandemia. Mas é igualmente verdade que o valor desse auxílio já caiu para 300 reais e termina em dezembro.

País de maricas”

A realidade dura do desemprego impõe-se, e a gestão desastrosa da pandemia de Covid-19 começa a provocar efeitos. Bolsonaro insiste em desvalorizar a doença e sai-se com tiradas cada vez mais provocadoras e que representam um desrespeito aos doentes e aos familiares dos falecidos. “Tudo agora é pandemia. Tem de acabar esse negócio. Lamento os mortos, lamento. Todos nós vamos morrer um dia. [O Brasil] tem de deixar de ser um país de ‘maricas’”, disse o presidente, na terça 10 de novembro.

Depois de um período em que o apoio ao governo se manteve estável, sondagens recentes dão conta de que crescem os que reprovam a conduta do presidente. O Datafolha mostra que, na cidade de S. Paulo, a rejeição ao governo Bolsonaro aumentou 2 pontos, chegando aos 50 % dos eleitores, e a aprovação baixou também 2 pontos, para 23%. No Rio de Janeiro, a aprovação caiu seis pontos, estando agora nos 28% (a rejeição é de 42%).

Também uma sondagem do Ibope mostrou que a aprovação do governo caiu em sete capitais após o início da campanha eleitoral.

Bolsonaro também está a pagar o preço da sua decisão de abandonar o partido pelo qual se elegeu, o PSL, há cerca de um ano. Na altura, estava convencido de que criaria um novo partido, o Aliança Pelo Brasil, recolhendo as assinaturas através de um aplicativo de telemóvel. Mas a Justiça Eleitoral exigiu assinaturas presenciais, e a possibilidade de ter um partido pronto para disputar as municipais dissolveu-se no ar.

Só que disputar uma eleição de mais de 5 mil municípios sem contar com uma máquina partidária é impossível. Por isso, Bolsonaro hesitou entre permanecer neutro ou envolver-se nalgumas eleições. Acabou por optar pela segunda hipótese. As sondagens dizem que não vai sair-se bem.

Flávio Bolsonaro “sumiu”

Finalmente, o bolsonarismo começa a ressentir-se das permanentes cisões. Como Bolsonaro só aceita incondicionais, foi deixando para trás todos os que ensaiassem uma crítica a si ou aos filhos. O resultado é uma longa fileira de ressentidos que vão, por sua vez, minando as bases do clan familiar de extrema-direita que rege o país.

O próprio clan já não tem condições de atuar em plena força. Flávio Bolsonaro, o “01” dos filhos de Jair, está quase desaparecido, com o intuito de não fazer ondas e não atrair as atenções. Flávio viu a sua situação complicar-se depois que o Ministério Público decidiu formalizar a acusação contra ele pelo esquema da “rachadinha” que foi implantado no gabinete do então deputado estadual do Rio de Janeiro. É uma acusação de quem foi apanhado em flagrante, já que o esquema ilegal é indesmentível, as provas e as testemunhas acumulam-se. Mas o mais perigoso, para os Bolsonaro, é que a investigação leva à ligação da família com as milícias, e portanto ao crime organizado no estado do Rio de Janeiro.

Com o bolsonarismo em crise, regressam em força os partidos da direita tradicional, que passaram maus bocados com a onda bolsonarista. DEM e MDB obterão vitórias importantes nestas eleições, bem como o PSDB, se vier a manter São Paulo. Também o PDT de Cyro Gomes está na disputa em duas capitais, Fortaleza e Aracaju.

E a esquerda?

As últimas eleições, de 2016, foram realizadas logo após o golpe palaciano que derrubou Dilma Rousseff da Presidência. O PT sofreu uma grande derrota, conquistando apenas uma prefeitura de capital de Estado: Rio Branco, no Acre. Depois disso, disputou o segundo turno das eleições presidenciais, com Fernando Haddad, e foi o partido mais votado nessas eleições, se contarmos os votos em todos os cargos disputados, executivos ou legislativos. Seria portanto de esperar uma grande recuperação nestas municipais. Não foi o que aconteceu.

Em S. Paulo, o partido continua a perder no estado onde nasceu e teve mais força. No seu berço, o ABC Paulista, só lidera as sondagens em Diadema. Na capital, o seu candidato, Jilmar Tatto, não passa do 6º lugar, com 6% dos votos. No Rio de Janeiro, a candidatura de Benedita da Silva, de 78 anos de idade, deverá ficar fora do segundo turno. O PT só disputará em duas capitais importantes: Vitória (Espírito Santo) e Recife. Mas Recife é um caso à parte: Marília Arraes, neta do ex-governador Miguel Arraes, saiu do PSB para o PT em 2016. Candidata-se em coligação com o PSOL, que indicou o seu vice.

Novo impulso do PSOL

A grande novidade na esquerda, nestas eleições, é que enquanto o PT permanece amodorrado, ausente da oposição a Bolsonaro, sem capacidade de renovação, o PSOL ganha um novo impulso. Em Belém, Edmilson Rodrigues, numa candidatura que conta com o apoio, entre outros partidos, do PT e do PC do B, está em 1º lugar, com 38% dos votos, segundo o Ibope, e deve disputar o segundo turno com José Priante, do MDB (17%). Em S. Paulo, a candidatura de Guilherme Boulos e Luísa Erundina chegou ao segundo lugar, mas ainda empatada tecnicamente com o bolsonarista Russomano e Márcio França, do PSB. A passagem do PSOL ao segundo turno na maior cidade do país será uma vitória muito importante, ainda mais porque o PT manteve a sua candidatura até o fim, recusando-se a apoiar Boulos.

Como parte do mesmo fenómeno que impulsiona o PSOL em Belém e S. Paulo, está a candidatura de Manuela d’Ávila, do PC do B, que lidera em Porto Alegre, com 40% dos votos e deverá disputar o segundo turno com Sebastião Melo, do MDB. Manuela d’Ávila foi a candidata a vice-presidente de Fernando Haddad, nas últimas presidenciais.

No quadro de uma relação de forças ainda muito desfavorável para a esquerda no país, estes movimentos no seu interior serão decisivos num futuro muito próximo.

Sobre o/a autor(a)

Jornalista do Esquerda.net
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