Situada em Carcavelos, em Cascais, a Quinta dos Ingleses é uma área verde com cerca de 54 hectares, junto à orla costeira. Existe o plano para aqui construir um hotel com 308 quartos, um centro comercial e prédios de sete andares acima do solo e cinco no subsolo, perfazendo um total de 850 apartamentos, fazendo com que a área verde fique reduzida a oito hectares.
“Este é mais um episódio revelador de como as poucas áreas verdes da região estão a ser substituídas por edificação para habitação de luxo, não trazendo qualquer resposta social, destruindo espaços verdes e perigando infraestruturas e a população devido ao risco de cheia” afirma do Bloco de Esquerda no projeto de resolução entregue na Assembleia da República onde «Recomenda a defesa do património ambiental e a classificação da Quinta dos Ingleses como ‘paisagem protegida’».
O partido lembra que em março de 2024, “a Câmara Municipal de Cascais deu autorização à empresa de construção Alves Ribeiro e à Associação do Colégio St. Julian’s para a colocação de uma vedação em torno da Quinta dos Ingleses tendo em vista o início da obra”.
“Este projeto pretende destruir a maior parte do património natural desta área e converter espaços verdes que deveriam ser de usufruto público num megaempreendimento imobiliário, comercial e hoteleiro de luxo. Estão em causa a qualidade de vida das pessoas, a destruição da fauna e flora locais e o aumento da vulnerabilidade local face às alterações climáticas e eventos meteorológicos extremos, nomeadamente por causa da impermeabilização dos solos. Há mais de dez anos que o Bloco tem vindo a opor-se e denunciar esta intenção da Câmara de Cascais em articulação com interesses privados, que é completamente contrário à vontade da população” refere o deputado municipal do Bloco de Esquerda, Alexandre Abreu em declarações ao esquerda.net.
No domingo, dia 7 de abril de 2024 ocorreu uma manifestação com grande mobilização popular, convocada pelos movimentos cívicos SOS Quinta dos Ingleses e Alvorada pela Floresta, que reivindicam a proteção e preservação da última área verde junto ao mar no município de Cascais.
A proposta do Bloco
No projeto de resolução entregue na Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe que o Governo desencadeie as diligências necessárias tendo em vista a “classificação da Quinta dos Ingleses como «Paisagem Protegida», de modo a garantir a preservação e valorização do seu património biofísico, ecológico, estético, paisagístico, histórico e cultural, bem como o pleno usufruto desse património pela população”.
O partido pretende também que seja interditada “a realização de alterações à morfologia do solo e do coberto vegetal na Quinta dos Ingleses, bem como a execução de operações urbanísticas como a construção ou ampliação de edifícios, excetuando as ações de conservação, restauro, reparação ou limpeza” e que seja apoiado “o desenvolvimento e a concretização de um plano de ação local para o restauro ecológico da Quinta dos Ingleses, bem como a execução de ações de erradicação de espécies invasoras e de adaptação aos efeitos da crise climática.
Propõe-se também que seja analisada a possibilidade de criação de “um polo museológico relativo ao Cabo Submarino, apoiando para o efeito a recuperação de edificado existente na Quinta dos Ingleses”.
A Quinta dos Ingleses
Em 1958, o então proprietário da Quinta dos Ingleses, a Eastern Telegraph Company, obteve autorização para um estudo urbanístico da quinta. O primeiro plano de construção para este local remonta a 1961, embora a Savelos, à data nova proprietária do espaço, apenas tenha completado um projeto em 1972, que a Câmara de Cascais apenas aprovou em 1982, mas sem nunca constituir direitos a favor do proprietário à luz do direito vigente, uma vez que nunca chegou a emitir Alvará de Loteamento, tendo isso mesmo sido admitido pelo presidente da Câmara em fins do ano de 2000.
Foi apenas a partir de 2014 que o projeto começou a ganhar força. Nesse ano, foi aprovado por um voto o Plano de Pormenor do Espaço de Reestruturação Urbanística de Carcavelos Sul (PPERUCS) pela Assembleia Municipal de Cascais. O Plano contou com os votos favoráveis de PSD e CDS-PP e de presidentes de várias juntas de freguesia, entra eles a presidente da União de Freguesias de Carcavelos e Parede que votou em sentido contrário ao deliberado na sua Assembleia de Freguesia. Foi nesse momento que se constituíram os direitos de construção a favor do proprietário; o Bloco de Esquerda votou contra o PPERUCS.
A Quinta dos Ingleses conta com um nível considerável de diversidade biológica. No local, existem pelo menos 298 espécies de flora, nas quais se incluem espécies protegidas por legislação específica, como a azinheira. A área verde conta também com a presença de espécies arbóreas sujeitas a regime especial de proteção do Regulamento Municipal de Cascais de Espaços Verdes e de Proteção da Árvore, como é o caso do pinheiro-manso, ciprestes, araucárias, zambujeiro, azinheira, amoreira, ulmeiros e do freixo-europeu. Existe também no local um número considerável de espécies invasoras cuja erradicação é necessária.
Quanto à fauna, está confirmada a presença de espécies de mamíferos como o ouriço-cacheiro, o morcego-anão, o morcego-pigmeu e o coelho-bravo (espécie cujo estatuto de conservação está classificado como “Em Perigo” pela Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza. Pelo menos 17 espécies de aves têm presença confirmada na Quinta dos Ingleses (34 espécies com ocorrência provável), das quais se destaca o peneireiro-de-dorso-malhado, o pintassilgo, a toutinegra-de-cabeça-preta, o cartaxo, o chamariz e o verdilhão. Existem ainda cinco espécies de répteis com ocorrência provável (sendo elas a osga-comum, a lagartixa-ibérica, a lagartixa-do-mato, a cobra-cega e a cobra-de-ferradura) e e três de anfíbios.
“A urbanização da área provocaria a perda irremediável do habitat existente, causando alterações incompatíveis com a presença de muitas das espécies faunísticas que atualmente ocorrem na Quinta dos Ingleses” refere o Bloco de Esquerda, acrescentando que “a Quinta dos Ingleses apresenta valores biofísicos, ecológicos, estéticos, paisagísticos, históricos e culturais que evidenciam a necessidade de salvaguarda por estatuto legal adequado, como o de ‘Paisagem Protegida’».
“Num contexto de crise climática e de perda acelerada de biodiversidade no país, a artificialização da orla costeira, especialmente em contexto urbano, e a destruição de habitats aumentam a vulnerabilidade da população, do território e da biodiversidade aos efeitos cada vez mais intensos e frequentes das alterações climáticas. A classificação da Quinta dos Ingleses e a sua plena recuperação ecológica permitem proteger e valorizar o seu património, possibilitando o seu pleno usufruto pela população” conclui o Bloco.