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Bloco aponta “esquecimentos convenientes” do primeiro-ministro sobre Isabel dos Santos

António Costa afirma não ter dado tratamento especial, “nem de favor, nem de desfavor”, à bilionária angolana alvo de investigação por desvio de fundos públicos. Em causa está a intervenção do primeiro-ministro no impasse acionista no BPI em 2016.

As revelações do Luanda Leaks trouxeram a público documentos que comprovam a forma como Isabel dos Santos construiu a sua fortuna à sombra do Estado presidido pelo seu pai, José Eduardo dos Santos. E com elas, a relação de cumplicidade das autoridades portuguesas com o capital angolano está de regresso ao debate político.

Esta terça-feira, o líder parlamentar bloquista, Pedro Filipe Soares, afirmou na audição com o ministro dos Negócios Estrangeiros que “foram muitos os cúmplices que fingiam nada saber a troco do acesso ao dinheiro”. Pedro Filipe Soares acrescentou que “este Governo deu um tratamento especial a Isabel dos Santos, com acesso direto ao gabinete do Sr. Primeiro Ministro, como foi público”.

António Costa respondeu esta quarta-feira, em declarações aos jornalistas. "O Bloco de Esquerda deve seguramente desconhecer os factos, mas quando a doutora Catarina Martins conhecer algum facto sobre a atuação do Governo, designadamente sobre a minha atuação, tem sempre a oportunidade de me telefonar ou de me visitar. Eu terei todo o gosto em poder prestar-lhe esclarecimentos”, afirmou o primeiro-ministro, citado pela agência Lusa.

Sobre a relação com Isabel dos Santos, António Costa negou ter-lhe concedido tratamento especial, "Não dei tratamento nem de especial, nem de favor, nem de desfavor. Temos de tratar as pessoas todas por igual", afirmou o primeiro-ministro.

A reação às palavras de António Costa não demorou, com Pedro Filipe Soares a publicar nas redes sociais a notícia que fez manchete no Expresso de 19 de março de 2016, intitulada “Costa dá luz verde a Isabel dos Santos no BCP”.  

“O Sr. Primeiro Ministro contestou a minha afirmação sobre o tratamento dado a Isabel dos Santos. Há, por estes dias, esquecimentos convenientes que vale a pena corrigir”, afirmou o líder parlamentar do Bloco de Esquerda.

A reunião de Costa com Isabel dos Santos em março de 2016

No artigo assinado por Pedro Santos Guerreiro e João Vieira Pereira – o então diretor e o atual diretor do semanário, respetivamente – pode ler-se que “o governo português autorizou Isabel dos Santos a entrar no capital do BCP, banco em que a Sonangol já é a maior acionista. O acordo foi dado pelo próprio primeiro-ministro, António Costa, numa reunião pessoal com a empresária angolana” na residência oficial do primeiro-ministro em São Bento.

Notícia do Expresso, 16/3/2016

Notícia do Expresso de 16 março 2016

Na altura, António Costa intervinha no impasse acionista no BPI, obrigado pelo Banco Central Europeu a acabar com a exposição ao BFA angolano. O acordo passava pela saída de Isabel dos Santos da estrutura acionista do BPI, vendendo as ações aos espanhóis do La Caixa, e pela venda da participação do BPI no BFA à própria Isabel dos Santos e a capitais angolanos. A “luz verde” a Isabel dos Santos para entrar no capital do BCP era uma contrapartida para o negócio se fazer sem a necessidade de alterar a lei para acabar com a blindagem dos estatutos na banca. Essa blindagem no BPI dava a Isabel dos Santos (com 19% do capital) o mesmo poder que tinha o CaixaBank (com 44%).

O braço de ferro entre Isabel dos Santos e os banqueiros catalães continuou nos meses seguintes e o governo acabou mesmo por aprovar uma lei para acabar com a blindagem dos estatutos. Isabel dos Santos saiu do BPI em 2017 e passou a controlar o BFA angolano através da Unitel. E nunca chegou a ter uma participação qualificada no BCP, onde entretanto entrou a chinesa Fosun como principal acionista.

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