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Autor da reforma das pensões em França escondeu ser diretor de Instituto dos Seguros

A reforma do sistema de pensões na França era supostamente em nome da sustentabilidade do sistema e da equidade entre trabalhadores. Mas afinal o autor da proposta, que as seguradoras consideram “boa”, “esqueceu-se” de declarar o conflito de interesses: era diretor de um Instituto de Formação desta área.
Jean-Paul Delevoye quando era presidente do Conselho Económico, Social e Ambiental. 2013.
Jean-Paul Delevoye quando era presidente do Conselho Económico, Social e Ambiental. 2013. Foto de SmartGov/Flickr.

Jean-Paul Delevoye é Alto-Comissário para as Reformas em França, sendo assim “Ministro-Delegado” da Ministra das Solidariedades e da Saúde, uma posição entre a de ministro e a de secretário de Estado. O que significa concretamente que está no centro do debate político francês, uma vez que é o autor da proposta que pretende acabar com regimes especiais, aumentar a idade de referência para a reforma e baixar os seus valores em vários casos. A sua proposta gerou uma greve “por tempo indeterminado” que continua a fazer-se sentir esta segunda-feira por todo o país.

Segundo revelou este fim de semana o jornal Le Parisien, quando apresentou a sua declaração de interesses Delevoye “esqueceu-se” de informar a Alta Autoridade para a Transparência da Vida Política que também era administrador do principal Instituto de Formação na área das seguradoras, o Instituto de Formação da Profissão dos Seguros (IFPASS), desde 2016.

Delevoye defende-se como tendo sido um “esquecimento” e um “erro” e diz que a função é “benévola”, ou seja não remunerada, chegando ao ponto de afirmar que, apesar do cargo, não conhece “nada no domínio da formação das seguradoras.” Mas o conflito de interesses parece óbvio. E, numa altura em que os pormenores do seu plano para as reformas ainda estão por apresentar e em que o movimento grevista continua a parar o país, esta revelação fragiliza ainda mais a posição do governo.

Face à pressão, Jean-Paul Delevoye anunciou esta segunda-feira que se demitia “imediatamente” do IFPASS de forma a “fechar toda a polémica”. Mas não será assim tão fácil. O Alto-Comissário assinou sob compromisso de honra a veracidade das informações prestadas e alegou não ter achado “importante” declarar esta posição. Só que não se esqueceu de comunicar aí outros cargos como o de presidente da Associação Francesa de Orquestras.

Para além disto, as propostas que agora defende sobre reformas são tudo menos indiferentes ao setor das seguradoras, apostado em concorrer com o sistema público de segurança social. Do lado das seguradoras, a proposta de Delevoye tinha sido recebida “com muito interesse”, esclareceram quadros de topo da área. Por exemplo, em declarações ao Le Journal du dimanche, em outubro passado, o diretor geral da seguradora AG2R, considerava a proposta “uma boa reforma” que abria “de fato perspetivas” para as seguradoras.

À esquerda, esta notícia foi recebida com indignação. Jean-Luc Mélenchon da France Insoumise atacou a tentativa de minimização da questão: “o senhor Delevoye pode fazer pagar todo o país com a reforma das pensões e esquecer uma das suas declarações de interesse, isso não é um problema.” Fabien Roussel, secretário nacional do Partido Comunista Francês, diz que assim “se vê o verdadeiro rosto desta reforma das reformas”, já que “está tudo feito para levar os futuros reformados para os fundos de seguros”.

No quinto dia greve, os transporte continuam a bloquear Paris

Entretanto, esta segunda-feira acontece o quinto dia consecutivo de greve contra a reforma das pensões em França. Na quinta-feira passada, esta tinha arrancado com 800 mil pessoas nas ruas, segundo as autoridades, milhão e meio segundo os sindicatos.

O setor dos transportes, um dos que é mais fortemente atingidos pelo fim dos regimes especiais, continua a ser dos mais mobilizados. O que se nota nos acessos a Paris. Pelas oito da manhã, a greve fazia-se sentir com filas de 620 quilómetros na área metropolitana da capital francesa. Dez linhas de metro estão fechadas e metade dos autocarros e elétricos não circula, de acordo com a empresa que gere o sistema de transportes. A SNFC, empresa ferroviária, só assegura 15 a 20% do tráfego no país.

Para a próxima terça-feira está prevista mais uma grande manifestação. Desta feita, os sindicatos concentram todas as suas forças numa marcha em Paris.

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