A divulgação do relatório da comissão independente criada pelo CES para recolher e analisar as denúncias de casos de assédio sexual, moral, abuso de poder e extrativismo intelectual ao longo dos anos de atividade daquela instituição pode vir a ter consequências judiciais. Fonte do Ministério Público de Coimbra disse à agência Lusa que recebeu o relatório na terça-feira e "será agora lido, para percebermos se há algo que possa dar origem a um inquérito e a algum crime público ou semipúblico, se houver queixa".
O envio das conclusões do relatório ao Ministério Público para apurar eventuais responsabilidades criminais era uma das exigências do auto-intitulado Coletivo de Vítimas. E esta quarta-feira, pela primeira vez 13 denunciantes deram a cara numa carta aberta dirigida ao CES, ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e à Procuradoria-Geral da República. O grupo inclui denunciantes que já tinham vindo a público contar a sua experiência, como a ativista indígena mapuche Moira Ivana Millán, a deputada estadual brasileira Isabella Gonçalves e duas das autoras do artigo científico que fez o caso sair de vez dos corredores universitários de Coimbra, Lieselotte Viaene e Miye Nadya Tom. Mas inclui também investigadoras que continuam a desenvolver atividade no CES, como Teresa Cunha, Élida Lauris, Eva Garcia-Chueca, Sara Araújo ou Gabriela de Freitas Figueiredo Rocha. Aline Mendonça dos Santos, Carla Paiva, Julia Suárez-Krabbe e Mariana Cabello Campuzan são as restantes subscritoras da carta onde afirmam que levantam o seu anonimato "na esperança de que nossos esforços vão repercutir não só numa mudança cultural e política, mas institucional", através das legislações dos diferentes países, estatutos das universidades, regimentos e outra regulamentação.
O Coletivo de Vítimas diz que o relatório da comissão "virou a página do negacionismo do assédio e do abuso de poder” e que isso dá agora ao CES “a oportunidade de conduzir um processo de verdade, justiça, reparação e não-repetição que pode permitir reinventar-se como instituição comprometida com a transformação da realidade social e, assim, dar exemplos para outras instituições que também se estão reinventando frente às frequentes denúncias de violência e práticas abusivas”.
O grupo exige que os alvos das denúncias, reconhecidos pelo relatório como responsáveis pelos abusos, sejam punidos, a começar por Boaventura de Sousa Santos, acusado também de tentativas de silenciamento através de "ataques à reputação", no caso de Moira Millán, ou "propostas de conciliação" feitas a Isabella Gonçalves. Também Lieselotte Viaene, uma das autoras do artigo “As paredes falaram quando mais ninguém podia”, se queixa de ter sido difamada por Boaventura, que alegou tratar-se de uma vingança por ter sido afastada do CES na sequência de um processo disciplinar. Outra das autoras do artigo, Miye Nadya Tom, sofreu ameaças de processos legais e viu mensagens pessoais trocadas com uma das pessoas denunciadas publicadas nas redes sociais.
Em concreto, exigem ao CES a abertura imediata de “procedimento administrativo para submeter à Assembleia Geral do CES a retirada de Boaventura de Sousa Santos do quadro de investigadores do CES”, acabando assim com a atual situação de "auto-suspensão". E também a abertura de “processos disciplinares contra Bruno Sena Martins e Maria Paula Meneses”, outros dois responsáveis do CES visados nas denúncias, com a suspensão imediata de ambos.
Outras exigências passam pela realização a curto prazo de "encontros da Direção do CES com as vítimas que se mostrarem disponíveis, para discutir medidas de reparação individuais” e pelo arquivamento imediato dos processos de difamação que estejam em curso contra denunciantes do padrão de assédio e abuso de poder na instituição. Também acrescentam algumas sugestões ao CES e à Universidade de Coimbra para prevenir casos futuros, as subscritoras dirigem também ao Parlamento e aos partidos o pedido para que proponham mudanças na lei, nomeadamente em relação aos prazos de prescrição "que atualmente impedem que os crimes sexuais, as práticas de assédio sexual, moral e abuso poder sejam levadas à justiça e que as pessoas responsáveis sejam responsabilizadas”.