Argentina: esquerda maioritária no Senado, direita cresce na Câmara dos Deputados

28 de outubro 2019 - 15:38

Os resultados mostram uma indiscutível vontade de mudança da parte do povo argentino, mas este pareceu não querer dar todo o poder ao kirchnerismo, ao contrário do que sucedeu durante a presidência de Cristina Fernández de Kirchner.

porJorge Martins

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Cristina Kirchner no momento do voto. Foto publicada na siua conta Twitter.

Como se esperava, Alberto Fernández, o candidato da Frente de Todos (FT), dominado pela ala esquerda do Partido Justicialista (peronista), ligada à ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner, venceu as eleições presidenciais ontem realizadas na Argentina.

Tendo a ex-presidente como candidata a “vice”, o candidato kirchnerista obteve 48,0% dos votos, o que lhe permitiu a eleição à 1ª volta. De acordo com a lei eleitoral argentina, qualquer candidato que fique em 1º lugar e obtenha, no mínimo, 45% dos votos é imediatamente eleito, o mesmo acontecendo se obtiver mais de 40% e uma vantagem superior a 10% sobre o segundo.

Uma originalidade argentina é a realização, três meses antes, de eleições primárias com todos os candidatos, destinada a eliminar os que obtenham menos de 2% dos votos. Na prática, estas funcionam como uma grande sondagem, cujos resultados se tendem a repetir nas eleições gerais.

O presidente eleito obteve um resultado quase idêntico ao das primárias, onde conseguira já 47,8% dos sufrágios.

O grande derrotado foi o atual presidente, o conservador Mauricio Macri, da coligação Juntos pela Mudança (JPC) que se ficou pelos 40,4% e falhou a reeleição, apesar da subida relativamente às primárias, onde não fora além de 31,8%. A sua derrota deve-se ao fracasso da sua política austeritária e de reformas neoliberais, que gerou uma inflação galopante e uma consequente crise económica e social de grande amplitude.

O ex-ministro da Economia, Roberto Lavagna, à frente da coligação centrista Consenso Federal (CF), acabou “engolido” pela bipolarização, não indo além de 6,2% dos sufrágios, contra os 8,2% das primárias de agosto.

Por seu turno, a Frente da Esquerda e dos Trabalhadores (FIT), da esquerda trotskista, que apresentou Nicolás del Caño como candidato, ficou-se pelos 2,2% dos boletins entrados nas urnas, um ligeiro recuo face às primárias, onde obteve 2,8%.

Finalmente, o candidato da direita conservadora, Juan José Centurión e o liberal José Luis Espert não foram além de 1,7% e 1,5%, respetivamente, um recuo face aos 2,6% e 2,2%que obtiveram nas primárias.

Eis os resultados das presidenciais:

Alberto Fernández (FT, esquerda peronista) 48,0%
Mauricio Macri (JPC, centro-direita) 40,4%
Roberto Lavagna (CF, centro) 6,2%
Nicolás del Cano (esquerda trotskista) 2,2%
Juan Centurión (Frente NOS, direita conservadora) 1,7%
José Luis Espert (direita liberal) 1,5%

Realizaram-se, igualmente, eleições governatoriais e provinciais, parlamentares e autárquicas.

Nas primeiras, destaque para o triunfo do candidato da esquerda peronista, Axel Kicillof, na província de Buenos Aires, a maior do país, derrotando a governadora incumbente, María Eugenia Vidal, da coligação conservadora Cambiemos, de Macri.

Já na capital, a vitória coube ao candidato da direita, Horacio Larreta, com 55,8% dos sufrágios, contra 35,1% do candidato kirchenerista Matías Lammens.

No que se refere às eleições parlamentares, a Argentina possui um Parlamento bicameral, denominado Congresso, constituído pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.

A primeira é constituída por 257 deputados, eleitos pelo método de Hondt em cada uma das 23 províncias e na capital, Buenos Aires, de acordo com a sua população, para um mandato de quatro anos. Cerca de metade é renovada a cada dois anos. Na atual eleição, estavam em jogo 130 lugares.

A segunda é uma câmara de representação territorial, onde cada uma das 24 entidades federadas está representada por três senadores. O partido maioritário em cada uma delas elege dois e o segundo um. A cada dois anos, é renovado um terço, havendo eleições em oito províncias.

De acordo com os resultados conhecidos, o kirchnerismo terá obtido a maioria no Senado, onde passará a ter 37 senadores. Este será constitucionalmente presidido pela vice-presidente Cristina Fernández de Kirchener.

Contudo, na Câmara dos Deputados, viu a direita aumentar a sua representação. Assim, o Partido Justicialista e seus aliados terão 120 lugares e a coligação Cambiemos 119. Sendo a maioria de 129 votos, para passar a legislação, os kirchneristas serão obrigados a compromissos com pequenas formações regionais (7 mandatos) e a esquerda (2) ou os centristas da Terceira Via/Consenso Federal (4). O seu presidente deverá ser o ex-candidato presidencial Sergio Massa, da Frente Renovadora, da ala centrista do peronismo, desta vez aliado à corrente kirchnerista.

Os resultados mostram uma indiscutível vontade de mudança da parte do povo argentino, mas este pareceu não querer dar todo o poder ao kirchnerismo, ao contrário do que sucedeu durante a presidência de Cristina Fernández de Kirchner.

Jorge Martins
Sobre o/a autor(a)

Jorge Martins

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra