Apesar da repressão "bukeliana", a insegurança e as máfias crescem no Equador

18 de março 2024 - 18:17

Apesar da militarização das prisões e do estado de emergência, o número de raptos e extorsões aumenta. E a corrupção das máfias junto do poder judicial e político permanece intocada. Por Eloy Osvaldo Proaño.

PARTILHAR
Militares numa prisão do Equador. Foto do exército equatoriano.

Nos seus primeiros 100 dias de mandato, o presidente de direita do Equador, Daniel Noboa, não conseguiu pôr termo à grave crise de insegurança no país, apesar da declaração do estado de emergência e do conflito armado interno à escala nacional, uma vez que a onda de raptos e extorsões continua a aumentar.

Entretanto, um grupo de organizações de defesa dos direitos humanos manifestou a sua preocupação com a violência no país e lamentou o facto de o discurso da "bukelização" se estar a enraizar com uma visão meramente punitiva e de curto prazo, sem aprofundar as causas da criminalidade. Noboa compara o seu "Plano Fénix" com o "Plano de Controlo Territorial" do seu homólogo salvadorenho, Nayib Bukele, que declarou o estado de emergência para combater os gangues em março de 2022.

Nadia Rivadeneira, do coletivo Mujeres de Frente, defende que "está a ser desencadeada uma guerra contra as pessoas empobrecidas e racializadas. Estamos a falar de mais prisões e mais penas", referiu, e questionou a visão de aumentar a população prisional sem pensar na reconstrução do tecido social.

Apesar da política repressiva promovida por Noboa, entre janeiro e 10 de março o número de casos de extorsão e sequestro atingiu 1.543, e no caso da cidade portuária de Guayaquil, uma das mais atingidas pela espiral de violência, quintuplicou em relação ao mesmo período do ano passado, informou a Ecuavisa. As estatísticas oficiais mostram que, durante o mesmo período do ano passado, o número de sequestros e extorsões chegou a 120, mas este ano o número subiu para 618.

De acordo com as autoridades, os criminosos que sequestram ou extorquem exigem entre US$ 2.000 e US$ 200.000 por cada vítima. O chefe de polícia da Zona 8, Víctor Herrera, disse que muitos dos presos por esse tipo de crime são reincidentes e lamentou o facto de vários deles terem deixado a prisão mais cedo e regressado aos grupos criminosos.

Dois grandes bandos criminosos - Los Choneros e Los Lobos - operam em aliança com traficantes de droga colombianos, mexicanos e albaneses que disputam o mercado da droga do Equador para os Estados Unidos e a Europa Ocidental.

A violência dos gangues criminosos nas ruas está ligada à violência dentro das prisões, onde a sobrelotação e a falta de controlo do Estado permitiram que os membros dos gangues criminosos levassem a cabo 14 massacres que custaram a vida a mais de 600 pessoas desde 2019, de acordo com a organização não governamental Comité Permanente pela Defesa dos Direitos Humanos (CDH).

A sobrelotação é causada por políticas punitivas de combate à droga, atrasos na concessão de benefícios prisionais e utilização excessiva da prisão preventiva. Os guardas prisionais não têm formação adequada e são insuficientes para conter a violência.

O advogado Fernando Bastias, membro do CDH de Guayaquil, salientou que as decisões do Presidente Noboa não são inovadoras, mas seguem a mesma lógica dos governos anteriores: "promover a ação punitiva do Estado e posicioná-la como a única forma de resolver a criminalidade através do marketing".

"Não existe um plano ou uma política pública de combate ao crime com um orçamento e uma coordenação entre as diferentes funções do Estado. O presidente está a vender uma série de notícias nos meios de comunicação social sobre prisões, brutalidade, raiva e força, mas isso não combate o crime", acrescentou.

De acordo com várias ONG, os relatos de abusos militares multiplicaram-se desde que Noboa declarou o país em conflito armado interno e mobilizou as suas tropas nas ruas e nas prisões.

A agência noticiosa francesa AFP analisou 18 vídeos que circularam nas redes sociais entre 11 de janeiro e 4 de fevereiro em diferentes províncias. Pelo menos dez deles mostravam abusos como espancamentos nas ruas durante o recolher obrigatório noturno. Dentro das prisões, são registadas humilhações ou bombas de gás lacrimogéneo a explodir perto dos rostos de prisioneiros seminus e imobilizados.

Durante uma audiência apoiada pelo CDH para que 18 detidos tivessem acesso a cuidados médicos, alguns deles relataram tortura, incluindo choques eléctricos. Um juiz decidiu que houve violações de direitos e ordenou reparações. Para a Comissão, a militarização das prisões, onde mais de 460 reclusos morreram desde 2021, esconde uma dívida pendente: a purga das forças de segurança, que foram manchadas por escândalos de corrupção, violações dos direitos humanos e tráfico de droga.

O modelo Bukele

As duas novas prisões que Noboa planeia construir no país - na província costeira de Santa Elena e na província amazónica de Pastaza - segundo um modelo semelhante ao de Bukele, custarão 125 milhões de dólares. Cada uma será projetada para abrigar 736 reclusos, em contraste com os 40.000 reclusos que o governo salvadorenho afirma estarem alojados no seu famoso Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT) para membros de gangues.

O que está a acontecer em El Salvador é "um regime anti-democrático que, como todas as políticas punitivas, tem efeitos sensoriais temporários", adverte Bastias, "pelo que seria um erro grave transpor este modelo para a realidade equatoriana".

Ele lembra que a Constituição proíbe qualquer tipo de tortura, tratamento cruel, desumano e degradante contra as pessoas privadas de liberdade, lembra que a gestão das prisões deve ser baseada na dignidade humana e alerta que a política de controle das prisões não deve ser baseada num discurso punitivo ou que viole a dignidade de alguém. Controlar as prisões é garantir os direitos humanos das pessoas privadas de liberdade", explicou Bastias.

A organização de direitos humanos WOLA fez uma análise aprofundada para tentar explicar por que razão o Equador não deve imitar o modelo de Bukele. A organização salienta que, em dezembro de 2023, a população total das 36 prisões do Equador era de 30.804 pessoas, menos de 0,2% dos habitantes do país, segundo dados do Serviço Nacional de Atenção Integral às Pessoas Privadas de Liberdade (SNAI).

Se o Equador tentasse imitar a taxa de encarceramento de 1,6% de El Salvador, a população prisional do Equador aumentaria mais de nove vezes, para 288.000 detidos. Isto equivaleria a encarcerar toda a população de uma cidade equatoriana de média dimensão, como Manta, de acordo com a análise dos investigadores Adam Isacson e John Walsh, que salientam que El Salvador tem um território muito pequeno em comparação com o Equador, o que facilita o controlo territorial.

O relatório da WOLA sublinha que as estruturas dos bandos violentos de El Salvador "fazem parte principalmente de duas redes, MS-13 e Barrio 18", "não têm hierarquias rígidas e organizaram-se em células semi-autónomas ou pequenas". Em 9 de janeiro, o Presidente Noboa mencionou 22 bandos de crime organizado ativos no país, que têm fontes de riqueza muito maiores do que as de El Salvador.

O advogado Bastias também questiona a legalidade de as Forças Armadas terem o controlo das prisões do Equador sem um período de tempo definido. "Já houve mais de sete estados de emergência desde o governo do Presidente Guillermo Lasso, e o que temos visto é que a situação continua igual".

Acrescenta que "a droga, as armas e os telemóveis com que extorquem as pessoas fora da prisão entram pela porta da frente das instituições públicas. As forças armadas não têm competência nem formação para gerir as prisões".

As grandes máfias

As máfias são mediadoras de diferentes atividades económicas e a sua relação com o Estado exprime-se em todos os domínios: político, jurídico e social. O caso Purga, tal como o caso Metastasis, tem no seu centro a instituição judicial e várias figuras políticas em relação direta com os acusados de tráfico de droga do clã Norero.

Os estados de exceção mais recentes foram concebidos para lidar com conflitos internos e bandos "terroristas", mas no Equador existem máfias e cartéis de corrupção com décadas de existência, sublinha Jaime Chuchuca Serrano.

O Processo Purga investiga o esquema de corrupção e tráfico de droga, em que Pablo Muentes (antigo deputado do Partido Social-Cristão), Fabiola Gallardo (antiga presidente do Tribunal de Justiça de Guayas) e Johan Marfetán (juiz), bem como uma dúzia de juízes e antigos juízes, são identificados como líderes. A procuradora judicial do Corpo de Engenheiros do Exército, Ruth Solano, também está a ser processada.

Tal como no caso Metastasis, existe uma clara orientação política, no sentido de incluir uma parte da máfia e excluir outra. Os sociais-cristãos têm uma longa história de gestão do sistema de justiça do país, através das suas relações com diferentes governos; a sua relação com o sistema de justiça inclui as forças armadas e os tanques de guerra que o governo de Febres Cordero dirigiu contra os tribunais em 1984.

Por exemplo, assinala Chuchuca, é notável que María Josefa Coronel (do grupo Teleamazonas) não tenha sido vinculada desde o início, apesar de ter sido presidente da magistratura de Guayas; são poupados funcionários dos governos de Lenin Moreno e Guillermo Lasso; os advogados de defesa do deputado social-cristão Pablo Muentes, que conseguiram que fosse indemnizado com 3,9 milhões de dólares num processo contra o Banco del Pacífico.

A formação destes casos é uma simples delimitação metodológica e está repleta de arbitrariedades. O caso Encuentro tentou ilibar o governo de Lasso de responsabilidades, enquanto os casos Leon de Troya e Gran Padrino (jornalístico) ligaram-no diretamente à máfia albanesa. Como é óbvio, o Ministério Público tem o poder sobre os processos.

Em 2018 e 2020, Leandro Norero foi declarado inocente de tráfico de droga por um tribunal de El Oro, e todos se calaram: governos, procuradores e meios de comunicação social.


Eloy Osvaldo Proaño é analista e investigador equatoriano, associado ao Centro Latinoamericano de Análisis Estratégico. Artgo publicado no site do CLAE. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net

Termos relacionados: InternacionalEquador