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Angola: Protesto "Fica em casa" deixou organizadores satisfeitos

A iniciativa partilhada nas redes sociais pelo ativista Gangsta apelou a um dia de greve para "refletir sobre o país" e condenar as ações do Governo. E o efeito fez-se sentir nas ruas de Luanda.
Poucos clientes e quase ninguém a vender roupa usada esta sexta-feira no Mercado dos Congoleses, em Luanda. Imagem DW,

Em lugar incerto após ser acusado por associação criminosa, instigação à rebelião e desobediência civil, além de ultraje à Presidente da República, Nelson Dembo, conhecido popularmente por Gangsta, diz que teme pela vida e não vai acatar o termo de identidade e residência. E continua a usar as redes sociais para criticar o poder e convocar um protesto pacífico para esta sexta-feira, apelando à população para ficar em casa e em vez de ir trabalhar refletir sobre o estado de Angola, a miséria e a corrupção no país, além das violações dos direitos humanos.

E o apelo depressa se espalhou nas redes, juntando políticos, artistas e recolhendo o apoio dos partidos da oposição e organizações da sociedade civil que lutam pela democracia e transparência, entre várias personalidades, incluindo as filhas de José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi, Tchizé dos Santos e Ginga Savimbi.

Nas ruas de Luanda, o correspondente da Deutsche Welle viu "bancas vazias nos mercados, pouco trânsito, fraca circulação de cidadãos na via pública". E ouviu um dos porta-vozes do protesto, Angolano Nervoso, dizer que "conseguimos juntar o povo, unir o povo para refletir Angola. Foi uma tarefa muito difícil, fomos boicotados, mas tínhamos certeza de que iria ser um sucesso".

No Mercado dos Congoleses, uma vendedora de roupa usada explicava que "o mercado está vazio por causa do medo que as pessoas têm de sair de casa", enquanto um reparador de telemóveis se queixava que "os clientes não estão a aparecer".

"Esta é uma manifestação pacífica, uma desobediência nacional, mas serve de mensagem para o Governo. Se não acatar, haverá outras. Não vamos fazer distúrbios, não vamos partir nada, vamos fazer sempre tudo na legalidade", disse Angolano Nervoso. "É preciso olhar e procurar um rumo. Libertar as consciências dos angolanos para tirar a tirania e a ditadura do poder. A nossa geração não vai desistir", afirmou por seu lado Gangsta.

Já o Novo Jornal observa que "as principais ruas, paragens e avenidas de Luanda registavam um movimento calmo e normal, sem qualquer registo de perturbação à ordem pública". E justifica o menor movimento por haver feriado na próxima terça-feira e estarem a começar as férias escolares. "Nos municípios do Cazenga e Viana, o movimento também estava tranquilo, apesar de se registar alguma ausência de pessoas, sobretudo passageiros, nas paragens do Centro de formação Profissional do Cazenga, na avenida Hoji Ya Henda, e da Ponte Amarela, em Viana", prossegue este jornal. Mas também dá conta que "devido às várias informações distorcidas, muitos cidadãos e automobilistas preferiram mesmo ficar em casa por uma questão de prudência".

Nos últimos dias, a convocatória para o protesto Fica em Casa incendiou os debates nas redes sociais, ao ponto da Polícia Nacional vir comunicar que "todos aqueles que persistirem nestas práticas de rebelião e vandalismo, serão responsabilizados criminalmente, porque a situação de segurança pública do País é estável e as forças da ordem estão prontas para darem resposta à qualquer ato que visa perturbar a tranquilidade pública". Isto apesar de o protesto apelar a que ninguém saísse à rua nesta sexta-feira.

"Angola é um país que regrediu"

Em entrevista à Deutsche Welle na semana passada, Gangsta dizia temer pela vida e denunciava as detenções de familiares sujeitos a horas interrogatório por causa da sua ausência de casa e atividade incessante nas redes. "Angola é um país que regrediu. Estamos a ver angolanos a comer do lixo, as altas taxas de desemprego. Uma governação de incompetência, que está a criar um novo clube de ricos, que são os indivíduos que o cercam. É um retrocesso civilizacional e o João Lourenço não tem estratégia política para uma administração do Estado-nação de Angola", afirmou o ativista que acusa o Presidente de ocupar o cargo de forma ilegítima neste segundo mandato.

"Nós olhámos o João Lourenço como um reformador, um farol de esperança. Mas só piorou. Um indivíduo arrogante, petulante, que não dialoga com ninguém", prossegue Gangsta, criticando também o Presidente por usar um discurso de combate à corrupção quando na prática "oficializou um novo modelo de corrupção, que é a contratação simplificada: pega os dinheiros do Estado e dá de ajuste às suas empresas".

"O combate à corrupção não anda porque aquilo é uma máquina de corruptos e assassinos. Eles sabem porque é que não querem largar o poder. É a única maneira que têm de sobreviver. Combate à corrupção é balela", diz o ativista, concluindo que "se houvesse combate a sério à corrupção, João Lourenço e a esposa estariam na cadeia e 90% do MPLA estaria preso".

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