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Ana Luísa Amaral (1956-2022)

Escritora, poeta e tradutora, Ana Luísa Amaral faleceu este sábado aos 66 anos. Professora universitária aposentada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto era ativista feminista e apoiante do Bloco de Esquerda.
Ana Luísa Amaral (1956-2022)
Ana Luísa Amaral (1956-2022)

Ana Luísa Amaral nasceu em abril de 1956 em Lisboa, residia em Matosinhos e morreu vítima de cancro.

Era professora universitária aposentada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde integrava como sénior o Instituto Margarida Losa de literatura Comparada, era doutorada em literatura anglo-americana com especialização, em Emily Dickinson. Ana Luísa Amaral era também investigadora de estudos queer e foi "responsável pelos projetos Novas Cartas Portuguesas 40 Anos Depois (Dom Quixote, 2014) e New Portuguese Letters to the World (Peter Lang, 2015)"

Autora de mais de três dezenas de livros, entre poesia, teatro, ficção, infantis e ensaios, traduziu também obras de vários autores.

A sua obra encontra-se traduzida e publicada em várias línguas e países, tendo obtido numerosas distinções, como o Prémio Literário Correntes d'Escritas, o Premio Letterario Poesia Giuseppe Acerbi, o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana, o Prémio Literário Vergílio Ferreira, o Prémio Literário Francisco Sá de Miranda (2021), o Prémio Livro do Ano das livrarias de Madrid.

Ao longo da sua prolífica carreira literária, Ana Luísa Amaral escreveu mais de uma dezena de livros de poesia, entre os quais “Minha senhora de quê” (Fora do Texto, 1990), “Às vezes o paraíso” (Quetzal, 1998), “A génese do amor” (Campo das Letras, 2005), “Escuro” (Assírio & Alvim, 2014), “E Todavia” (Assírio & Alvim, 2015) ou “Ágora” (Assírio & Alvim, 2019). Escreveu ensaios, peças de teatro e literatura infantil, além de ter traduzido para português livros de Emily Dickinson, Patricia Highsmith, William Shakespeare ou Louise Glück. A estas obras acrescem as publicações que efetuou no âmbito académico.

Em junho passado, foi lançada a sua Antologia Poética, “O Olhar Diagonal das Coisas”, que incluiu o seu trabalho poético desde "Minha Senhora de Quê" (editado em 1990) até ao mais recente "Mundo" (2021). No posfácio deste livro, a professora catedrática jubilada da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Maria Irene Ramalho salientou que “a verdade é que qualquer novo poema, ou conjunto de poemas, altera o todo-em-curso. E todos os poemas exigem nova leitura”.

Maria Irene Ramalho destacou ainda que o trabalho feito por Ana Luísa Amaral na sua poesia, como o que surge em “Escuro”, de “desconstrução do discurso da história imperial portuguesa”, continua a ser necessário: “A lucidez de ‘Escuro’ canta a portuguesa história nossa, que sempre na escola nos deixaram por contar”.

Em entrevista, Ana Luísa Amaral refletia sobre a utilização da palavra “poetisa” para designar as mulheres poetas: «Eu prefiro poeta e durante muito tempo lutei por “poeta” para as poetas. Escrevi toda uma tese sobre Emily Dickinson chamando-lhe “Mulher-poeta” (à semelhança de “Woman-poet”, em inglês)», afirmou a autora, acrescentando que «não é por acaso que Jorge de Sena, quando fala em Emily Dickinson e quando quer dizer que ela é extraordinária, ele diz que Emily Dickinson é “um poeta”. Põe-na no masculino, como se o masculino fosse neutro. Lamento, não é neutro. Não há neutro. Não temos neutro».

Será homenageada na Feira do Livro do Porto de 2022, que decorrerá nos Jardins do Palácio de Cristal, entre 26 de agosto e 11 de setembro.

Ana Luísa Amaral - 2013

Ativista feminista, Ana Luísa Amaral foi mandatária do Bloco, em 2009, e encabeçou a lista à Assembleia Municipal do Porto na candidatura “E se virássemos o Porto ao Contrario”, em 2013.

Entre 2012 e 2013, foi muito ativa em manifestações e ações de protesto contra a troika, tendo feito parte do Congresso Democrático das Alternativas.

Apoiou a candidatura de Marisa Matias à Presidência e interveio em iniciativas de solidariedade com a Grécia.

Em 2012, escreveu um poema ao 25 de Abril, que dedicou à memória de Miguel Portas:

25 de Abril e os nossos tempos, por Ana Luísa Amaral

À memória de Miguel Portas,

25 de Abril de 2012

Tão novo de morrer,
quase morrido

Tem vindo a ser matado
por sorrisos e cega obediência,
por sustos assustados,
ou simplesmente por não ser presente
e ter sido esquecido
na cave desta casa

Nela nasceu erguido
entre o mais desatado e o mais belo de ser:
tanques e cravos, e casos curiosos raso a mitos,
e sérios casos de paixão a sério,
e também carne e vida,
o que de mais importa neste mundo

Repousar é de morto, e ele terá morrido:
sem exéquias sequer,
só de mentira,
está o seu corpo muito lá em baixo,
como se fosse um peso que já não:

Nem mesmo incomodar
os números que voam, desatados,
os bárbaros que uivando sobrevoam
o telhado da casa
e nele pousam, cruéis e confortáveis,
repousam dos seus rumos de conquista

Tão novo de morrer,
morrido quase

Quem as exéquias suas?
Não há mural que o ressuscite aqui?
Ou chamamento novo que o congregue
de novo e em colisão
nestas janelas?

Dos que ao seu lado viveram lado a lado,
desses o susto bom de ele nascer,
e a desobediência ao erro e ao dobrado

Dos que depois nasceram:
a memória,
talvez da sua mão, ou mãe: memória,
o que de mais importa neste mundo

Que esses possam dizer que não,
que ainda vive,
que é novo de morrer e ainda vive,
e que o seu funeral: coisa sem rumo

Mesmo que chova hoje, como chove,
e as nuvens se perfilem junto aos uivos,
mesmo assim pressenti-lo

Teimar que é impossível
morrer assim tão novo

Saber
que isto não pode ser assim

 

O Bloco de Esquerda e o esquerda.net, prestam homenagem a Ana Luísa Amaral e endereçam os sentidos pêsames à família e amigos.

Informamos ainda que o velório realiza-se a partir das 17h deste sábado, na capela do Corpo Santo, em Leça da Palmeira, sendo o funeral domingo no Tanatório de Matosinhos.

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