15 associações e movimentos ambientalistas juntaram-se para salvar as Alagoas Brancas, uma zona húmida de 8,5 hectares com uma enorme biodiversidade e que é utilizada por mais de 300 espécies de animais e plantas, algumas delas protegidas por lei.
O local corre “risco iminente de destruição” dada a construção de um “retail park”, ou seja onze armazéns, por parte do grupo económico que o comprou a Edifícios Atlântico, sediada em Oeiras. Os ambientalistas alegam que “este recurso natural e a defesa do território contra a seca devem sobrepor-se a eventuais direitos da construção em causa” e que a Agência Portuguesa do Ambiente devia ter classificado a área “como zona ameaçada por cheias naturais” e “área estratégica de infiltração e de proteção à recarga de aquíferos”. Para além disso, referem o “incumprimento do regime de Reserva Ecológica Nacional aquando da revisão do Plano Diretor Municipal de Lagoa, no Algarve” e o “grave incumprimento” do Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas do Algarve.
O Parlamento via discutir o caso esta quarta-feira e os signatários dirigem-se ao ministro do Ambiente, requerendo a sua “intervenção imediata” para proteger esta “importante reserva de água doce”, vital para a fauna e flora da região.
A ideia é que a área “deveria ser classificada, contribuindo para o cumprimento da meta de proteção de 30% das áreas terrestres da União Europeia até 2030”. Até porque “há poucas áreas no Algarve ainda a salvo da expansão imobiliária”, afirmam.
As organizações signatárias são a Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve (Almargem), a organização internacional cristã de conservação e proteção ambiental A ROCHA, a associação Ecotopia Ativa, a Cidade da Participação, a Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade (FAPAS), o Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (Geota), a Liga para a Proteção da Natureza (LPN), o Movimento Salvar as Alagoas Brancas, a Plataforma Água Sustentável, a associação PROBAAL – Pró Barrocal Algarvio, a Associação Nacional de Conservação da Natureza – Quercus, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), a Sociedade Portuguesa de Ecologias (SPECO), o Centro de Conservação das Borboletas de Portugal – TAGIS e a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável.
Especialistas contestam translocação
O Ministério do Ambiente autorizou a translocação de alguma da fauna da zona, apresentada como medida “mitigadora” do impacto ambiental do empreendimento. As associações contrapõem que uma translocação efetiva teria “custos elevados” e que seriam “muito superiores ao de deslocar a construção da superfície comercial” para outro espaço.
Também vários biólogos contactados pelo Expresso em abril passado criticam a opção da translocação. Apesar de o Ministério do Ambiente reconhecer que “a área das Alagoas Brancas regista valores naturais de importância local”, remete para o município a possibilidade de criar uma área protegida local “ao abrigo do Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade”. A autarquia seguiu o caminho de mudar os animais e avançar com os armazéns e até cedeu terrenos para a construção.
Depois, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas autorizou “a captura e translocação para habitats adequados de répteis e anfíbios em risco de sobrevivência (e que sobreviveram ao início dessas obras), mas que, pelos seus próprios meios, não podem abandonar o local, como sucede com a avifauna”.
Joaquim Teodósio, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, explica que “as Alagoas Brancas são um local de refúgio e nidificação de várias espécies protegidas pela diretiva aves, como o caimão, a garça-boieira, ou a Íbis-preta, e não se sabe que consequências terá a sua deslocação para outros locais”.
O biólogo Gonçalo Rosa expressa também dúvidas acerca do destino de répteis e anfíbios: “não se sabe se vão ser translocados para uma outra zona húmida já sobrepovoada e alterar o equilíbrio da mesma e só se saberá o resultado com a monitorização dessas ações”.
Anabela Blofeld, do Movimento Salvar as Alagoas Brancas, criticou na mesma ocasião a forma como o levantamento das espécies existentes no local está a ser feita: “ainda recentemente os técnicos que estavam no local a fazer o levantamento da fauna diziam que já não havia lá cágados-mediterrânicos (uma espécie vulnerável), quando eu os vejo todos os dias”. Foram identificados também no local cágados-de-carapaça-estriada (uma espécie em perigo de extinção) e rãs-de-focinho-pontiagudo.
Bloco de Esquerda contra “ecocídio”
Em abril passado, o movimento cívico Salvar as Alagoas Brancas foi ouvido pelo Bloco de Esquerda no Parlamento. Então, em declarações citadas pelo Barlavento, Catarina Martins considerou “absolutamente irresponsável esta visão administrativa, burocrática, dos direitos adquiridos, que nos dizem que o Estado não pode negociar nenhuma mudança em relação ao que fez para proteger a população e a biodiversidade”.
A então coordenadora do Bloco dizia que o partido não tinha dúvidas sobre o valor das espécies protegidas que habitam o local e alertou para as obras implicarem risco de alagamento e inundações na cidade de Lagoa.
Antes, o Bloco já tinha levado a situação à Comissão Europeia, denunciando o “ecocídio” em causa. Tinha-o feito em setembro de 2021, voltou a fazê-lo em novembro do ano passado. Os eurodeputados bloquistas emitiram então um comunicado criticando o recomeço dos trabalhos “contra conselho científico e vontade da população e organizações que têm organizado manifestações e apelos” e apresentaram um cenário “dramático” do resultado dessas obras com “animais enterrados vivos, aves que surgem feridas e doentes, além de um ecossistema destruído”.
E, em 2017, face à possibilidade de construção do empreendimento, o Bloco apresentara um projeto de resolução a recomendar ao governo a salvaguarda da zona.