Para a mentira ser segura
E atingir profundidade
Tem de trazer à mistura
Qualquer coisa de verdade
(António Aleixo)
Mas a tese, embora seja tecida com argúcia e habilidade, é triplamente falsa. No seus próprios termos, porque efetivamente há quem tenha razão e porque, por muito que desagrade à autora, ainda há solução. A outra falsidade é a de que, para levar a água ao seu moinho, CFA adultera a realidade histórica e o presente de Israel e do povo palestiniano.
No enredo dos argumentos, modulada em paralelo, ressalta a tese de fundo de CFA: “a verdade que ninguém ousa dizer. A Ocupação tornou-se infinita e irreversível”. Assim, nu e cru, com maiúscula, que é para deixar o leitor knockout.
Recomponho-me, e para recuperar a sanidade, aqui vos deixo com algumas das “verdades” da escritora, as quais me atrevo a comentar.
“Esquecer o passado significaria, na história dos judeus, exterminar o futuro”. Os palestinianos, ao que parece, não têm passado (se lerem todo o artigo verão que é coisa que nele não existe), e assim são condenados a não ter futuro.
“As linhas geradas na Guerra dos Seis Dias, que os árabes desencadearam e perderam, determinaram a vitória no terreno da hegemonia militar israelita a que se convencionou chamar Ocupação”. Como é possível fazer da Guerra dos Seis Dias (junho de 1967) o momento determinante da Ocupação, quando a própria autora evoca os 70 anos de Israel? E que, logo nesse primeiro momento criador, se consagrou como um ato brutalmente violento, a marca única da Ocupação, através de inúmeros massacres, que então culminaram na expulsão de mais de 700.000 palestinianos das suas aldeias onde viviam desde tempos ancestrais. E cujo “episódio” mais recente são os cruéis assassinatos, friamente retomados desde 30 de março até ao dia de hoje.
Uma rotina que CFA se dispensa de referir, pois um povo que não tem passado, nem futuro, também não pode ter presente.
“O país dos claros princípios é hoje, aos 70 anos, um país vibrante, justo e democrático do lado de cá, e um país temível, cruel e implacável do lado de lá.” Custa a crer que é isto o que está escrito, mas é a verdade de CFA.
O lado de cá é um país colonial, fazendo do apartheid mais radical, a sua lei. O lado de lá é uma prisão a céu aberto, mais miserável do que as piores prisões. Talvez possa ser outra verdade, concede CFA, num momento de benevolência. Mas agora já não interessa para o caso!
“O Hamas (…) continua a sacrificar os súbditos enviando-os para um lugar, uma linha visível de demarcação, onde possam ser alvejados, num arremesso de Intifada. Os obedientes são carne para canhão e nada disto serve para nada exceto para reclamar a notícia do martírio como uma vitória moral.” Estou quase sem fôlego! Afinal o povo palestiniano, os largos milhares que se revoltam, que sacrificam a própria vida para não deixar morrer a sua causa, os mais de cinco milhões de refugiados, não passam de súbditos acéfalos, robots sem consciência nem memória, manipulados no tabuleiro do jogo de senhores que se enfrentam, do lado de cá e do lado de lá. Como se os carrascos de um lado e as vítimas do outro, não passassem de cínicos jogadores de xadrez em pé de igualdade.
“Teria sido simples dizer duas coisas: os refugiados da naqba nunca mais poderão regressar, não cabem todos nesta terra porque um novo país nasceu neste lugar, e só o reconhecimento da existência e o direito à existência desse país poderá originar a existência e o direito à existência do outro país vizinho…”. CFA não tem papas na língua: Querem o reconhecimento internacional pelo horror da Ocupação, da colonização, das expulsões, das mortes? Esqueçam! Querem o fim da agressão e uma paz que permita o retorno e os direitos há muito perdidos? Já não dá! Ainda invocam os Acordos de Oslo? Não tivessem sido anjinhos! Ainda querem o cumprimento das inúmeras resoluções da ONU constantemente espezinhadas? Não se tivessem fiado na “comunidade internacional” e nos Direitos Humanos. Quem tem a força manda e o resto é conversa!
“As Nações Unidas (…) apenas contribuíram para tornar os palestinianos (…) uma tribo de pedintes chefiados por uma tribo de corruptos”. “Os palestinianos inventaram o terrorismo moderno…”. Estas e muitas mais, são as verdades de CFA. Infalível e inflexível.
Ela remata, numa tirada final de imparcialidade: “E não importa o que digamos sobre isto. Alguém dirá sempre que não temos razão. Que tomámos partido. Que somos a favor do terrorismo ou do antissemitismo. Que escolhemos o lado moralmente errado.”
Haverá quem duvide que é CFA quem tem razão? Não faz mal, o que importa é que você já marcou mais uns pontos no Clube dos Bilderberg.
15/05/18
Texto de Vítor Ruivo