Nos últimos anos surgiu o mito do milagre económico no Brasil. A taxa de crescimento do PIB esteve acima da média da América Latina e o seu desempenho exportador permitiu-lhe manter um superavit significativo. Além disso, o aumento na despesa social possibilitou-lhe reduzir a pobreza e diminuir a fome. O que podia dar errado?
As manifestações nas cidades brasileiras são produto de muitos fatores. Desde a péssima qualidade dos serviços públicos e da inconformidade com a corrupção, até a repressão aplicada pelos corpos de segurança. O movimento também está animado pela impaciência com a classe política que só ambiciona apoderar-se de cargos públicos para viver das suas rendas. Por enquanto, a desaprovação não têm mais perspetivas que o simples protesto. Mas esta conjuntura obriga a examinar a estrutura e o desempenho da economia brasileira sob o peculiar enfoque do PT.
Para começar tem que se entender o mito do crescimento económico no Brasil. Entre 1999 e 2011, o crescimento médio anual foi de 3%, nada espetacular e certamente muito abaixo das necessidades de geração de emprego que o gigante sul-americano tem. Nesses anos a economia brasileira foi dando cambalhotas, alternando anos de rápido crescimento (7% em 2010) com outros de mal desempenho (rombos de menos 0,2% em 2003 e 2009).
O desemprego no Brasil alcança 6% da PEA (população economicamente ativa) (2011). Para os padrões europeus em plena crise esse dado parece reduzido. Mas deve ser manejado com cautela. Entre 2000 e 2007, 51% do emprego total no Brasil concentrou-se no setor informal. Como em toda a América Latina, o setor informal é um grande gerador de emprego e o perfeito disfarce para o principal problema económico do capitalismo.
Na década dos anos noventa, foram aplicados, no Brasil, fortes programas de estabilização, com esquemas de contração salarial, ajuste fiscal e até a criação da nova moeda, o real. A inflação reduziu-se de níveis superiores a 2.000% até níveis historicamente baixos (cerca de 5%). Desde então impera a política macroeconómica restritiva, com as taxas de juros mais elevadas da América latina.
Os dois governos de Lula procuraram conciliar as diretrizes do neoliberalismo com objetivos de justiça social. Para não alterar os equilíbrios da macroeconomia neoliberal, optou-se pelo caminho do assistencialismo. Para obter os recursos necessários incrementou-se a pressão fiscal até alcançar 36,2% do PIB em 2012. Esse é um nível que corresponde ao de um país com bons serviços públicos, mas no Brasil predomina a má qualidade em matéria de saúde, educação e transporte.
A política fiscal é de corte neoliberal absoluto e o seu principal objetivo é gerar um superavit primário (diferença entre receitas e despesas líquidas de encargos financeiros). O superavit primário é um montante que poderia ser investido em saúde, educação e transporte, mas destina-se a cobrir cargas financeiras. O ano passado ultrapassou 53 mil milhões de dólares, soma equivalente a 2,3% do PIB, mas inferior à meta de 3% do PIB: o Brasil manteve um dos níveis mais altos de superavit primário do mundo.
Por outro lado, a estrutura do imposto sobre o rendimento não é progressiva e uma boa parte da carga é suportada pelos trabalhadores de poucos rendimentos. Além disso, o peso dos impostos sobre mercadorias e serviços na arrecadação total é desmedido: 48% da arrecadação total provém deste imposto regressivo que onera com a mesma taxa ricos e pobres. O arrecadado pelo imposto representa cerca de 12% do PIB no Brasil, um escândalo.
As bases do setor exportador não são robustas. Cerca de 55% das exportações provém do setor primário, com um enorme custo social e ambiental. A volatilidade dos preços destes produtos básicos é bem conhecida e, por isso, em 2012 o Brasil teve o seu pior superavit comercial em dez anos. A indústria brasileira teve um mau ano em 2012 e subsistem sinais de fragilidade no setor manufatureiro. Por outro lado, o modelo de agronegócio brasileiro é um fracasso social, ambiental e económico, mas os grandes consórcios desse país, com o consentimento do governo, pretendem exportá-lo para Moçambique e outros países da África.
Finalmente, em matéria social, a redução da pobreza no Brasil foi real, mas modesta. Este país continua entre os com maior desigualdade no mundo. Para os partidos da esquerda institucional na América Latina, as lições são claras. No final do caminho, as contradições do neoliberalismo são insuperáveis: nem desenvolvimento, nem rosto humano.
Artigo de Alejandro Nadal, publicado em 26 de junho de 2013 no jornal mexicano La Jornada. Tradução de Libório Júnior, para Carta Maior