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"Acordo de rendimentos não tem qualquer credibilidade"

No debate parlamentar com o primeiro-ministro, Catarina Martins acusou António Costa de propor aumentos de salários à administração pública que são metade dos que pretende para o setor privado. E insistiu na proposta de manter a atualização das pensões para salvaguardar o poder de compra dos pensionistas.
Catarina Martins no plenário esta quinta-feira. Imagem ARTV

O primeiro-ministro esteve esta quinta-feira no Parlamento para debater com os partidos a situação económica e social do país. E a coordenadora do Bloco voltou a interpelá-lo sobre a perda de poder de compra dos pensionistas, que este ano equivale a um mês de pensão. Mas referiu-se também às negociações salariais em curso e à gritante diferença entre os aumentos propostos pelo Governo ao setor privado e os que já avançou em relação aos funcionários públicos.   

Catarina Martins acusou o Governo de negociar um acordo de rendimentos na concertação social com uma proposta que "não tem qualquer credibilidade". O executivo colocou em cima da mesa uma proposta de aumentos de 4,8% dos salários médios até 2026, "num documento que não diz nada sobre a evolução do PIB e do emprego nem sobre cenários macroeconómicos", registou a coordenadora do Bloco.

Mas ao mesmo tempo "vai começar negociações com a Função Pública com uma proposta de aumentos de 2%". Ou seja, resumiu Catarina, "diz que espera que os privados aumentem o dobro do que o Governo quer aumentar os funcionários públicos". Uma atitude que a coordenadora bloquista definiu assim: "quando não somos nós a decidir, apontamos para cima; quando temos de decidir, puxamos para baixo". Por isso, "este acordo de rendimentos na concertação social não tem qualquer credibilidade", concluiu.

Na resposta, António Costa afirmou que para os aumentos da Função Pública "a inflação de referência deve ser o objetivo do BCE de 2%, mas deve ter em conta os ganhos de produtividade e o diferencial necessário para atingirmos em 2026 o peso dos salários no PIB de 48%, que é a média europeia, e não os 45% que era onde estávamos em 2019". Sem abrir o jogo sobre qual será ao certo a proposta concreta a apresentar na segunda-feira aos sindicatos, disse apenas que ela "não desonrará o Estado".

"A pensão vai aumentar 3,5% mas o frango aumentou 35%"

Quanto à proposta do Governo de pagar já em outubro o equivalente a meia pensão e cortar a atualização do valor das pensões no próximo ano, Catarina lembrou que não se trata de nenhum apoio aos pensionistas, pois "este ano já se esfumou uma pensão inteira e o resto já era por direito dos pensionistas para o ano que vem". Ou seja, acrescentou, "mesmo que a inflação parasse de repente e no próximo ano fosse zero, os pensionistas já tinham perdido uma pensão inteira". E desafiou António Costa a aumentar agora os pensionistas que já perderam um mês e a manter a fórmula de atualização para o próximo ano, de forma a não perderem poder de compra.

António Costa respondeu que "o Governo nunca dá" nada aos pensionistas, que no caso das pensões contributivas recebem pelo que descontaram, para em seguida argumentar que mesmo com a atualização que propõe e que é metade do que a lei obrigava, será o aumento "maior que já tivemos neste século"

Quanto ao afastar da fórmula de atualização da lei de Vieira da Silva, desvalorizou-a com o argumento de que "nos anos anteriores também não cumprimos a fórmula, quando a inflação era muito baixa e fizemos aumentos extraordinários" e que "nos últimos 16 anos esta fórmula foi aplicada quatro vezes".

Catarina Martins insistiu que "não há nenhum apoio aos pensionistas que este ano perdem um mês de pensão", pois se a pensão aumenta 3,5%, "o frango aumentou 35% e há vegetais que aumentaram mais de 50%". Ou seja, "o Governo vem falar dos aumentos dos preços, mas deixa que as pensões encolham".

Contas da Segurança Social "marteladas"? "Foi uma forma prudente de calcular"

A questão da sustentabilidade da Segurança Social, que o Governo dizia ser posta em causa com o aumento das pensões previsto na fórmula que tinha em conta a inflação verificada até novembro e o crescimento da economia, foi outro dos temas trazidos a debate. Recorrendo aos números oficiais, a coordenadora bloquista lembrou que "em março as contas da Segurança Social estavam bem e recomendavam-se, em junho era ainda melhor", ou seja, "a Segurança Social está mais forte". "E de repente o Governo manda-nos um papel em que esquece 1.300 milhões de receita. Não há nenhuma credibilidade", acusou Catarina, referindo-se à contas enviadas pelo Ministério aos deputados, que contabilizavam o aumento da despesa com pensões no cenário futuro, esquecendo a evolução das receitas do sistema.

O primeiro-ministro respondeu que entre entre 2015 e 2019 a Segurança Social aumentou em 30 anos a sua sustentabilidade, o que lhe permitiu apoiar as pessoas durante a pandemia sem pôr em causa as pensões futuras, sendo depois corrigido por Catarina Martins, que lhe lembrou que os apoios da pandemia saíram do Orçamento do Estado, que compensou a Segurança Social dessa despesa.

Por isso, voltou a insistir Catarina Martins, "o que temos de fazer é dar agora um apoio através do Orçamento do Estado e para o ano manter a atualização", pois como disse o próprio António Costa em 2019, "uma economia de baixos salários e pensões é uma economia deprimida". Nessa altura, recordou Catarina, o primeiro-ministro insurgia-se também contra "os alarmismos" em torno da sustentabilidade da Segurança Social. Mas agora "o Governo fez o contrário" e "o que diz hoje sobre pensões e sustentabilidade não tem qualquer credibilidade", ao apresentar contas que "estão marteladas". Na resposta, o primeiro-ministro alegou que as contas enviadas pelo Ministério aos deputados foram feitas "com a metodologia da União Europeia", no que chamou "uma forma prudente de calcular".

Crédito à habitação e falta de alojamento para estudantes

Na segunda ronda do debate, Catarina Martins questionou António Costa sobre as soluções para as famílias afetadas pelo aumento dos juros do crédito à habitação e para os estudantes que entraram no ensino superior e não conseguem arrendar um quarto para viver na área da universidade para a qual entraram por causa do aumento dos preços da habitação.

Na primeira situação, António Costa afirmou que "a primeira obrigação de encontrar uma soluçao é da entidade bancária" e que "90% dos contratos têm prestação mensal inferior a 472 euros". "Deixemos os bancos gerirem este problema", afirmou o primeiro-ministro, considerando que "neste momento não há razão para um sobressalto". Na resposta, Catarina Martins afirmou que há pessoas com créditos modestos que serão confrontadas com aumentos de 100 euros nas prestações e questionou-se "se podemos confiar na banca para ter a prudência necessária para proteger o direito à habitação e a própria economia". E anunciou que no dia 6 de outubro, o Bloco agendou um debate sobre propostas para "chamar a banca às responsabilidades", com a obrigação de "apresentar contratos renegociados que permitam manter as taxas de esforço, seja pelos spreads seja pelos prazos".

No que respeita à falta de alojamento para estudantes, António Costa acenou com a promessa de construção de residências até 2026, que já vem anunciando desde 2018. "E soluções para os estudantes de agora? São 93 mil estudantes deslocados sujeitos a um mercado inflacionado e com falta de oferta", questionou Catarina, obtendo do líder do Governo apenas a enunciação dos reforços para as bolsas de estudo e complementos de deslocamento e propinas aprovados no Orçamento do Estado para este ano.


[Noticia atualizada às 18h30 com a segunda parte do debate entre Catarina Martins e António Costa]

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