Tecnologia

Abusadores online: os donos do Tinder preferem o lucro à segurança

17 de fevereiro 2025 - 16:58

Há anos que o Match Group sabe que milhares de utilizadores com comportamento de abusos sexuais graves permanecem nas suas plataformas, mas não informa disso. Uma investigação detalhada mostra a facilidade com que contas banidas voltam ao ativo com a mesma informação que tinham e que a empresa teria meios para os deter.

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Tinder
Tinder. Foto de Focal Foto/Flickr

O Match Group, empresa dona de dezenas de aplicações de “encontros” como o Tinder e o Hinge, tem, pelo menos desde 2016, conhecimento de utilizadores com comportamentos de abuso sexual que permanecem nas suas plataformas, mas disso não informa os seus utilizadores.

É o que revela uma reportagem publicada The Guardian, resultado de uma investigação de ano e meio intitulada Dating Apps Reporting Project e realizada em parceria entre o The Markup e o Pulitzer Center, sublinhando que o facto é contraditório com a política oficial de segurança da empresa que afirma que quando um utilizador é denunciado “todas as contas encontradas que estejam associadas com ele serão banidas das nossas plataformas”.

A investigação descobriu documentos internos da empresa que provam que há quase dez anos tem conhecimento dos utilizadores denunciados por drogar, usar violência sexual e violar as pessoas com que se encontram. É a partir de 2019 que confirmadamente fica gravada na base de dados central do Match Group a informação sobre os utilizadores denunciados. E, desde 2022, há um sistema batizado como Sentinel, “tem vindo a recolher centenas de incidentes perturbantes todas as semanas, dizem pessoas da empresa”.

Enquanto um relatório de transparência prometido há cinco anos continua por ser conhecido, “pessoas continuam a ser magoadas” e um conjunto de slides apresentados aos seus trabalhadores em 2021 questionava-se: “Publicamos apenas onde somos obrigados por lei?” “Reagimos sobre o que somos obrigados a revelar ou tentamos ir além do que é exigido?”

Emily Elena Dugdale e Hanisha Harjani, autoras do artigo, escrevem que “enquanto o Match Group possui há muito as ferramentas, recursos financeiros e procedimentos de investigações necessários para dificultar que maus agentes voltem à superfície, os documentos internos mostram que a empresa resistiu aos esforços de os espalhar nas suas aplicações, em parte porque os protocolos de segurança poderiam atrasar o crescimento da empresa”.

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Denunciam ainda que apesar das promessas de 2021 de melhoria dos mecanismos de segurança, as suas fontes no interior da empresa desmentem que a empresa tenha efetivado medidas significativas nesse sentido. Pelo contrário, os cortes de empregos atingiram os membros da equipa de “confiança e segurança” do conglomerado.

Ao longo do seu trabalho leram milhares de páginas de documentos internos da empresa, de sentenças judiciais e relatórios de especialistas, entrevistaram dezenas de empregados atuais e ex-trabalhadores e de sobreviventes de violência sexual e testaram as diferentes aplicações do Match Group.

Dos testes feitos resultou, por exemplo, que utilizadores banidos podem facilmente voltar à aplicação ou entrar noutra do grupo, não disfarçando sequer muito: mantêm igual a maioria das informações pessoais. A partir de abril do ano passado, os investigadores criaram contas no Tinder que depois foram denunciadas por violência sexual. Estas foram banidas mas os investigadores conseguiram voltar a criar contas com o mesmo nome, data de nascimento e fotos de perfil pouco depois. O mesmo sobre as outras aplicações daquele universo empresarial: depois de banidas do Tinder inscreveram-se nelas com a mesma informação pessoal sem qualquer problema.

Tudo isto apesar de o sistema de segurança chamado Sentinel registar número de telefone, e-mail, endereço de IP, fotos e data de nascimento das pessoas denunciadas. Só que para além de se encontrarem em muitos fóruns online os passos mais fáceis para voltar a usar as plataformas depois de ser banido, os documentos internos mostram que afinal todas aquelas informações não eram usadas para bloquear a pessoa se se registasse com a mesma informação noutras aplicações do grupo. As investigadoras sublinham que não utilizaram nenhuma técnica que exigisse conhecimentos informáticos mais avançados. E reiteram que a empresa “sabe acerca de milhares de utilizadores abusivos”, “tem os dados que poderiam ajudar pessoas a evitar situações perigosas mas não os partilha, deixando milhões de pessoas no escuro”.

A dimensão do problema é potenciada pela posição dominante da empresa no mercado, sobretudo a ocidente. Para além da aplicação deste tipo mais popular do mundo, o Tinder, e do também já indicado Hinge, fazem parte dela outras duas aplicações bastante populares, OKCupid e Plenty of Fish. Ao todo, opera em 190 países, controla perto de metade do mercado de encontros e vale cerca de 8,5 mil milhões de dólares.