Aborto: Polónia discute despenalização, eurodeputados querem consagrar direito

11 de abril 2024 - 17:47

O parlamento polaco vota esta sexta-feira propostas para a despenalização do aborto até às 12 semanas. Numa votação histórica, o Parlamento Europeu recomenda a inclusão do direito ao aborto na Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

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Manifestação da greve feminista pelo direito ao aborto no passado dia 8 de março em Varsóvia.
Manifestação da greve feminista pelo direito ao aborto no passado dia 8 de março em Varsóvia. Foto Albert Zawada/EPA

Passados mais de três anos das manifestações massivas das mulheres polacas contra o retrocesso legal que levou à proibição quase total do aborto no país, a nova composição do Parlamento permitiu o regresso do debate por parte dos legisladores, agora no sentido contrário ao que o Tribunal Constitucional polaco admitiu em 2020, permitindo apenas a interrupção da gravidez em casos de risco de vida para a mulher ou violação e proibindo-o em casos de malformação do feto. A nova lei teve como consequência a morte de pelo menos seis mulheres em casos onde os médicos priorizaram a vida do feto, por razões ideológicas ou por temerem vir a ser responsabilizados penalmente.

As propostas em debate esta quinta-feira e que serão votadas na sexta preveem a legalização da interrupção voluntária da gravidez até às 12 semanas, a descriminalização dos atos ligados ao aborto e das pessoas que presta ajuda ás mulheres que interrompem a gravidez, ou, no caso da proposta mais conservadora, o regresso à formulação mais restritiva acordada entre políticos e Igreja Católica em 1993.

"O estado não pode fingir que o aborto não existe - eles estão a ser feitos, sempre se fizeram e sempre se farão", disse a ministra da Igualdade no arranque do debate parlamentar. Para Katarzyna Kotula, "o estado deve fazer tudo para garantir que o aborto é seguro, acessível, legal e tem lugar em condições apropriadas".

"As mulheres elegeram este governo e as nossas exigências são claras: queremos um aborto legal, seguro e acessível", defendeu por seu lado a Federação Polaca das Mulheres e Planeamento Familiar, citada pelo Guardian.

As mobilizações feministas contribuíram decisivamente para o fim da maioria do PiS, o partido da ultradireita de Jarosław Kaczyński. A aliança vencedora, liderada por Donald Tusk, fez da descriminalização do aborto uma das principais promessas eleitorais. Mas o partido da Terceira Via, aliado da atual maioria e que propõe o regresso à lei de 1993, juntou-se à direita nesta questão, tentando bloquear a tramitação parlamentar das propostas. Mesmo que elas passem na primeira votação parlamentar, resta a dúvida se o Presidente Andrzej Duda, alinhado com o PiS, usará o seu direito de veto como fez recentemente em relação à lei que garantia contraceção de emergência sem receita, alegando o "respeito pelos direitos constitucionais e os padrões de proteção na saúde para as crianças". 

Na véspera do debate, a bancada do Bloco de Esquerda na Assembleia da República enviou uma mensagem de solidariedade aos parlamentares da esquerda polaca e aos movimentos de mulheres que se têm batido pela alteração da lei.

 

Eurodeputados querem incluir abrto na Carta dos Direitos Fundamentais

Também esta quinta-feira, o Parlamento Europeu aprovou por 336 votos a favor, 163 contra (incluindo vários eurodeputados do PSD) e 39 abstenções o pedido de inclusão de todos os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, incluindo o direito ao aborto, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

A resolução aprovada condena também o retrocesso nos direitos das mulheres em vários países, incluindo na própria União Europeia, com a imposição de restrições ao aborto e cuidados de saúde sexuais e reprodutivos. E exige a descriminalização total do aborto em toda a União Europeia.

Em concreto, a proposta pretende que o artigo 3º da Carta dos Direitos Fundamentais passe a incluir que "todas as pessoas têm o direito à autonomia sobre o corpo, o acesso gratuito, informado, pleno e universal à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos, e a todos os serviços de saúde conexos, sem discriminação, incluindo no acesso ao aborto seguro e legal".

Apesar desta votação histórica, as mexidas naquele documento têm de ser aprovadas por unanimidade pelos 27 governos no Conselho da União Europeia, o que é um cenário difícil de se concretizar dado o peso crescente da direita nos órgãos de poder político nos países europeus.