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2,7% de despesas em I&D: quando o que parece uma boa notícia não passa de um absurdo

O Primeiro-Ministro António Costa anunciou que Portugal atingirá a meta de despesas em investigação e desenvolvimento (I&D) sobre o PIB de 2,7% em 2020... A insistência em atingir aquela meta é um absurdo. Postado por Ricardo Paes Mamede em Ladrões de Bicicletas
Dada a sua estrutura produtiva, Portugal tem já um nível de despesas em I&D sobre o PIB que é superior ao expectável - Foto de Eric Shea/flickr
Dada a sua estrutura produtiva, Portugal tem já um nível de despesas em I&D sobre o PIB que é superior ao expectável - Foto de Eric Shea/flickr

O Primeiro-Ministro António Costa anunciou que Portugal atingirá a meta de despesas em investigação e desenvolvimento (I&D) sobre o PIB de 2,7% em 2020, um valor que tem vindo a ser reafirmado por vários governos lusos, procurando ir ao encontro dos objectivos definidos a nível europeu.

A insistência em atingir aquela meta é um absurdo. Este objectivo não só é inalcançável (o país levou 35 anos a passar de 0,3% para os 1,3% actuais, agora pretende-se duplicar este valor em três anos), como a insistência em manter esta meta não tem qualquer justificação técnica - e será usada para justificar opções erradas.

Como já argumentei várias vezes (aqui, por exemplo), o nível de despesas em I&D sobre o PIB está fortemente correlacionado com a estrutura produtiva de cada país, em particular com o peso relativo de sectores cujo desempenho depende crucialmente da realização de um grande volume de actividades de I&D (por exemplo, farmacêutica, aeronáutica e electrónica). Na generalidade dos restantes sectores de actividade, porém, nada justifica (nem se verificam em lado nenhum do mundo) níveis de I&D tão elevados.

Dada a sua estrutura produtiva, Portugal tem já um nível de despesas em I&D sobre o PIB que é superior ao expectável. Contrariamente ao que é habitualmente assumido, o facto de Portugal se encontrar abaixo da média da UE neste indicador não significa que o esforço realizado a nível nacional seja insatisfatório – apenas reflecte o facto de a estrutura produtiva do país assentar em actividades cujo bom desempenho é menos determinado pelo nível de despesas em I&D.

É verdade que um esforço superior ao expectável neste domínio pode contribuir para o desejável processo de transformação estrutural da economia portuguesa. Este é o motivo pelo qual eu defendo que não se reduzam - e até aumentem ligeiramente - os níveis de investimento actual, apesar de já estarem claramente acima do que se faz em países com estruturas produtivas semelhantes. No entanto, a partir de certo nível as despesas em I&D constituem essencialmente um desperdício, pois acarretam um custo financeiro sem que a sociedade portuguesa e o tecido económico nacional estejam em condições de beneficiar dos retornos desse esforço.

A insistência em atingir metas impossíveis neste domínio levou no passado os governos a conceder às empresas que declaram despesas em I&D benefícios fiscais que são dos mais generosos da OCDE, aceitando que fossem declaradas como despesas de investigação gastos que têm muito pouco de inovador e/ou de socialmente desejável (assim se explica, por exemplo, que durante muitos anos os bancos se encontrassem entre as empresas portuguesas que, segundo as estatísticas oficiais, mais investiam em I&D). A tentativa de realizar este grande salto em frente, duplicando em três anos o nível de despesa em I&D, só seria possível com medidas ainda mais irresponsáveis. Estou convencido que elas não vão acontecer. Infelizmente, a mania de governar por anúncio tarda em partir.

Postado por Ricardo Paes Mamede em Ladrões de Bicicletas

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