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Wall Street tropeçou nos próprios pés

O que importa é que nada mudou em Wall Street, e que os bancos centrais criaram a sua própria armadilha ao viciarem os mercados em dinheiro barato que serviu para alimentar bolhas que podem rebentar à menor ameaça de mudança de política.

Em Wall Street qualquer dia é bom para um susto, desde que seja dia útil (a Bolsa fecha ao fim de semana). A especulação com o ouro trouxe o pânico numa sexta-feira de 1869, a crise de 1929 começou a uma quinta e a de 2008 numa terça. Na última segunda o índice Dow Jones perdeu 3,5% em 15 minutos, despencando-se aparatosamente dos máximos históricos por onde andava. Estimam-se perdas de 5 biliões (mil milhões vezes mil) de euros.

De onde veio isto, agora que as coisas estavam a correr bem? Quando se tropeça nos próprios pés, "correr bem" é o que basta para cair, e a queda da Bolsa nunca é airosa.

Há anos que os juros estão baixos e os bancos centrais atiram biliões para o sistema financeiro. Alguns mercados tradicionais (obrigações) deixaram de render e os investidores procuraram sítios mais lucrativos para aproveitar a abundante liquidez. Uns mais conhecidos, como as ações, outros mais exóticos, como a bitcoin, outros inventados, como os produtos complexos de volatilidade.

Vai longe, a imaginação em Wall Street. O índice VIX foi criado para medir a volatilidade do mercado até que, em meados dos anos 2000, se começaram a negociar produtos que especulavam sobre o seu comportamento. Basicamente, apostavam se a previsão estaria correta ou não. Apareceu então o XIV, o inverso do VIX. Quanto mais calmo estiver o mercado, ou seja, menos volátil, maior o valor dos produtos que transacionam com base no XIV.

Durante o último ano em que estava tudo a "correr bem", o índice de volatilidade VIX estava muito baixo e o inverso, o XIV valorizava, dando muito a ganhar aos investidores que apostavam que o mercado se manteria calmo. A ironia quase cómica desta história é que quanto mais apostavam na tranquilidade dos mercados, mais os investidores agitavam as águas da volatilidade. O nervosismo em torno de possíveis alterações na política de juros completou o clima. Tudo corria bem, e tropeçaram nos próprios pés.

Em Wall Street o mau tempo transforma-se num ápice em intempérie. Em parte, porque os investimentos estão muito alavancados em dívida, mas também porque as operações são feitas por computadores que negoceiam ao microssegundo, replicando comportamentos de massas. As perdas são rápidas e gigantes.

Há quem diga que foi tudo só uma correção de preços sobrevalorizados; pouco importa. O que importa é que nada mudou em Wall Street, e que os bancos centrais criaram a sua própria armadilha ao viciarem os mercados em dinheiro barato que serviu para alimentar bolhas que podem rebentar à menor ameaça de mudança de política. Teria sido melhor e mais barato se os mesmos bancos centrais tivessem financiado os governos para políticas de investimento e criação de emprego. Mas isso é tabu.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 13 de fevereiro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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