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As vistas curtas do Partido Socialista

Os valores do investimento público deste Executivo são humilhantes e mostram o paradigma de um Governo bloqueado pelo sucesso do seu próprio ministro das Finanças.

Mais um janeiro que termina, mais um brilharete de Mário Centeno, transformado em mantra pelo Partido Socialista. Já ninguém se lembra do objetivo aprovado no Parlamento para o défice em 2017, mas o importante é que este tenha ficado abaixo do então previsto. Mais de dois mil milhões de euros (em contabilidade pública). Foi quanto custou ao país a inscrição na liga da elite europeia das Finanças de 2017. Dirá o Governo, não sem razão, que este resultado se deve ao crescimento económico. Mas não explica porque preferiu usar esse crescimento para reduzir o défice além do prometido às instituições europeias, em vez de o investir em saúde, educação ou infraestruturas. Os valores do investimento público deste Executivo são humilhantes e mostram o paradigma de um Governo bloqueado pelo sucesso do seu próprio ministro das Finanças.

Não quero contar a história de um país que não existe. Portugal mudou desde 2015 e isso é visível. Fomos longe, comparando com a visão pequenina da Direita rendida à humilhação e à ideia daquele país que nunca poderá viver acima da possibilidade dos baixos salários. Mas a soma de algumas boas medidas não constitui, por si só, uma alternativa de futuro.

O efeito da devolução de rendimentos no crescimento e criação de emprego é inegável. Mas, sem alterar as leis laborais, o trabalho continua precário, e trabalho precário é garantia de baixos salários e estagnação salarial.

Com o crescimento a pressionar os preços não há garantias de aumento de poder de compra sem significativos aumentos salariais no público e no privado. E não deixemos que o sucesso nos tolde a visão: uma parte deste crescimento, que também se reflete nas contas públicas, resulta da preocupante sobre-especialização no turismo. Outra parte anda a par e passo com o elefante que já mal cabe na sala: a bolha imobiliária que está a tornar a habitação num inferno e de que ninguém quer falar para não estragar a festa.

Os desafios que o país enfrenta são muitos. Uma mudança na política monetária do BCE pode rapidamente expor o erro de ignorar o problema da dívida pública. A regras do euro andam no lodo entre o mesmo e o pior. Os mercados financeiros internacionais sobreaqueceram sem justificação no investimento e emprego.

O nosso problema estrutural nunca foi o défice. É a insustentável leveza com que se trata o peso da dívida pública. É a debilidade da economia, historicamente conduzida ao sabor dos interesses dos gigantes empresariais rentistas e assente num débil tecido produtivo, marcado pela precariedade, pelas baixas qualificações e salários. É a paralisia de um Estado condenado a gerir o pouco que conservou, entre imposições europeias e interesses económicos.

Se de facto quisesse romper com este modelo, o Partido Socialista precisaria de ver muito além dos brilharetes orçamentais. As vistas curtas de Mário Centeno não chegam para a mudança necessária.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 30 de janeiro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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