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Sócrates é um powerpoint

Fevereiro de 2006: sentado num canto do palco, o homem mais rico do mundo e dono da Microsoft, Bill Gates, olhava embevecido para uma fila de ministros debruçados sobre uma mesa a assinar protocolos de cooperação entre o governo português e a empresa fabricante do Windows. Ao lado, José Sócrates exultava. "Quero agradecer a Bill Gates o apoio que tem dado ao Plano Tecnológico do Governo", diria mais tarde, depois de ouvir como um aluno atento a aula "os desafios da modernização administrativa", dada por Gates a uma audiência composta por praticamente todo o executivo, os presidentes dos governos regionais, o presidente da Assembleia da República e o Procurador-geral da República.
"Plano Tecnológico à boleia de Bill Gates", titulou um jornal.  O "número" estava feito. Que melhor maneira de demonstrar a validade do tal plano senão assinar protocolos com a Microsoft? É claro que, esmiuçando bem o que fora assinado, descobria-se que os protocolos se destinavam a dar formação em software Microsoft, para que houvesse mais e mais funcionários públicos a usar esse software Microsoft, para que os ministérios, as secretarias de Estado, os Institutos comprassem mais e mais programas Microsoft. O Estado português é uma galinha dos ovos de ouro para a empresa americana. A administração Pública - com a honrosa excepção do Ministério da Justiça - faz contratos e mais contratos com a Microsoft, caindo presa das regras que implicam em pagar licenças todos os anos, haja ou não novas versões do software e interesse ou não usar essas novas versões.

Mas a Sócrates o que interessava era passar a mensagem de que o seu governo dá muita importância à tecnologia. Até porque muito poucos iriam questionar que vantagens traziam aqueles protocolos. E, seis meses depois, ninguém mais se lembraria deles.

Recentemente, numa entrevista ao Semanário Económico, o ex-ministro de Guterres Augusto Mateus disse certeiramente que "o plano tecnológico não existe, é um powerpoint". Uma boa apresentação feita em powerpoint - aliás, um programa Microsoft - impressiona, ajuda a fazer uma boa palestra. Mas, se a palestra não tiver conteúdo, nem o powerpoint a salva.

No campo da tecnologia, nem o powerpoint salva Sócrates. Ensinar a usar software Microsoft não gera inovação - gera lucros para Bill Gates. Inovar é, por exemplo, desenvolver software com controlo da tecnologia, isto é, software de código aberto. O software Microsoft é uma caixa preta: não se sabe o que está lá dentro. É por isso que os países que se preocupam realmente com tecnologia - como a vizinha Espanha, para não ir mais longe - em vez de fazerem protocolos com a Microsoft, dedicam-se a desenvolver distribuições nacionais e aplicações em Linux. Inovam, têm o controlo da tecnologia e gastam menos dinheiro - muito menos.

Sócrates, pelo contrário, traz sempre o seu powerpoint atrás. O último dizia que Portugal tem dos mais baratos acessos de banda larga à Internet da Europa. Estudos independentes dizem que é a mais cara, mas Sócrates prefere dar fé à Portugal Telecom, que vende a banda pouco larga a preços de ouro, mas tem todo o interesse de apanhar boleia no powerpoint do primeiro-ministro. Depois, Sócrates oferece uma caixa postal electrónica gratuita e certificada a todos os portugueses. Mas quem a quiser usar tem de aceitar receber propaganda do Grupo CTT; se não quiser, tem de o dizer explicitamente aos CTT, mas não pode usar o mail certificado e sim o habitual correio de papel. Ou então, indicar a recusa em campos de um formulário de acordo que simplesmente não existem. Com estas trapalhadas todas, quem vai dar crédito a esta certificação dos CTT?

Mas o primeiro-ministro não se importa, o que interessa mesmo é o "número" estar feito, é o powerpoint impressionar. Um conselho a José Sócrates: em vez do Powerpoint, experimente o Open Office. Funciona tão bem quanto o software da Microsoft, só que é de graça. O Bill Gates é que não vai gostar.

Sobre o/a autor(a)

Jornalista do Esquerda.net
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