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Só o povo será o tribunal de Lula: crónica de um julgamento político

A história recente do Brasil é conhecida. Começa com um golpe inconstitucional contra Dilma Rousseff, passa por um governo de bandidos comandado por Michel Temer e acaba na condenação de Lula a mais de 9 anos de prisão

No momento em que escrevo, há milhares de pessoas acampadas em Porto Alegre à espera do julgamento do recurso de Luiz Inácio Lula da Silva. Amanhã, 24 de janeiro, quando este artigo for lido, é provável que a maioria já saiba aquilo que eu agora apenas posso temer. É uma previsão razoável, sobretudo se tivermos em conta que a condenação de Lula trabalha numa realidade virtual em que o tempo corre vertiginosamente mais rápido do que o lânguido passar dos dias do restante sistema judicial brasileiro.

“Sou da época em que o ano só começava depois do Carnaval e as eleições eram decididas nas urnas”, escreveu Xico Sá sobre este feitiço do tempo. Antecipar a possível condenação de Lula para impedir a sua candidatura à presidência não tem muito de mágico, mas é o que se arranja. Embora, na verdade, com Lula a subir em todas as sondagens, o que alguns gostariam seria de fazer desaparecer as eleições presidenciais de 2018, como um elefante num truque de Houdini.

A história recente do Brasil é conhecida. Começa com um golpe inconstitucional contra Dilma Rousseff, passa por um governo de bandidos comandado por Michel Temer e acaba na condenação de Lula a mais de nove anos de prisão. Sem provas, claro, mas com muita “convicção” por parte do juiz Sérgio Moro.

Nada se alterou entre a sentença e o recurso. Lula continua a ser acusado de ter recebido um triplex em São Paulo como pagamento ilícito da empresa OAS. A acusação continua a não ter qualquer prova exceto a delação de Léo Pinheiro (presidente da OAS), depois de ter sido preso por Sérgio Moro e aliciado com uma redução de pena.

Amanhã, o Tribunal Regional Eleitoral da 4.a Região (TRF-4) de Porto Alegre fará o julgamento dos recursos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado pelo juiz Sérgio Moro pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Caso o tribunal da segunda instância confirme a condenação, Lula ficará inelegível e a direita reacionária que governa o Brasil terá ganho pela segunda vez num golpe ilegal.

Num processo que começou com uma notícia na Globo e um power point, o que se acumulam são as evidências de ausência de um julgamento justo, de imparcialidade e de presunção de inocência. Não admira que se tenha levantado uma onda de solidariedade democrática internacional contra um julgamento político. Por esta altura, já se sabe que os golpistas estão dispostos a pagar o afastamento de Lula com a violação de direitos e da democracia constitucional.

Com a entrada de Collor de Mello na corrida, o espetáculo promete ser de horrores. O ex-presidente, afastado em 1992 por corrupção, junta-se a Bolsonaro, o tal que disse a uma deputada “não te estupro porque você não merece” e garantiu que os seus filhos nunca se relacionariam com uma mulher negra porque “foram bem educados”. Todos contam com um sistema judicial ao serviço de um golpe que não se concluiria sem derrubar o candidato mais bem colocado da esquerda, nem que seja prendendo-o.

É por isso que, se a condenação avançar, o dano será imenso. Não apenas para a candidatura de Lula, mas para a democracia brasileira. Que povo respeitará um sistema democrático que torna as eleições um jogo viciado?

Com este processo, ficou provado que o sistema judicial entrou em força na disputa eleitoral de 2018, o que só nos pode levar a repetir a pergunta de Liana Lins numa crónica na Media Ninja: “Peraí. Mas se Sérgio Moro é o grande antagonista de Lula, quem é o juiz?” Só pode ser o povo, e é por isso que Lula deve ser candidato.

Artigo publicado no jornal “I” em 24 de janeiro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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