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Será que sobrevivemos ao longo prazo?

"No longo prazo estaremos todos mortos". A frase de Keynes faz hoje tanto ou mais sentido do que no momento em que foi dita, há décadas atrás.

Durante séculos, economistas e políticos preocuparam-se obsessivamente em crescer, produzir mais, consumir mais, vender mais. Um Produto Interno Bruto mais elevado conduziria necessariamente a uma sociedade mais próspera, justa e saudável. Para os economistas neoclássicos, este processo só seria possível através da livre actuação dos mercados. Em caso de crise, os salários e os preços cairiam até encontrar de novo a sua procura e, consequentemente, o equilíbrio e a estabilidade.

A crise dos anos 30, tal como aquela que hoje vivemos, pareceu vir comprovar a teoria Keynesiana segundo a qual a melhor forma de combater o desemprego e garantir o crescimento é através da intervenção do Estado, em especial da promoção do investimento público. Maiores gastos públicos implicam, directa e indirectamente, o aumento do emprego, do consumo e do investimento, público e privado. Desde que os níveis de consumo e de investimento sejam suficientes para manter a economia a produzir perto da sua capacidade máxima e a procura elevada o suficiente para absorver toda a oferta, os ciclos virtuosos de crescimento estariam garantidos.

Mas as condições são hoje diferentes, e não nos podemos permitir olhar mais uma vez apenas para o curto prazo ignorando, não só o impacte futuro das nossas acções, mas também o facto de o longo prazo estar cada vez mais próximo.

Os níveis de financeirização da economia de hoje são indiscutivelmente superiores aos de há umas décadas atrás. Assente numa economia real que não olhou a meios para crescer, à custa de direitos sociais e do esgotamento de recursos naturais, desenvolveu-se uma economia virtual, financeira, que suga os recursos da economia produtiva para garantir o seu financiamento, a uma velocidade absolutamente insustentável. A questão está em saber durante quanto mais tempo é que a economia real poderá cumprir este papel.

Durante quanto mais tempo poderemos continuar a crescer e a aumentar a produção, se levarmos em conta que os recursos naturais que explorámos para aqui chegar estão a atingir ao seu limite, que as alterações climáticas são uma realidade e que, se continuarmos neste percurso, não haverá longo prazo?! Durante quanto mais tempo é que vamos centrar a definição das políticas económicas e os nossos PECs na variação percentual de um indicador - PIB - onde cabe apenas o que se produz e consome, compra e vende, e não há lugar para a contabilização dos danos ambientais causados, do consumo de recursos naturais, do trabalho voluntário, doméstico, e de muitas outras formas de relações sociais que influenciam os modos de produção?

Esta crise veio deixar claro, da pior forma, que já não nos resta muito tempo. A escolha é se queremos faze-lo de forma sustentada, minimizando os danos sociais, ou se preferimos deixar o mercado resolver (e já temos uma boa amostra de onde isso nos pode levar). O desafio está em conseguir que as variáveis crescimento, emprego e danos ambientais deixem de estar positivamente correlacionadas.

Reduzir a produção e o consumo sem levar o desemprego para níveis insustentáveis só será possível com a existência de Estados Sociais fortes, com modelos de financiamento alternativos, que não dependam (como actualmente) apenas dos rendimentos do trabalho e que possam garantir a separação entre as horas de trabalho e as remunerações dos indivíduos. Uma sociedade onde se produz menos só poderá garantir o pleno emprego se as pessoas trabalharem menos. E só poderá garantir o bem-estar de toda a população se os mecanismos de redistribuição funcionarem correctamente.

Abandonar de uma vez a doutrina do crescimento contínuo e ilimitado implica também, no curto prazo, uma reavaliação dos investimentos a fazer. O investimento público é essencial para conseguirmos superar esta crise, mas a escolha entre auto-estradas e comboios, entre apoiar um plano de transição energética ou produções dependentes de energias fosseis não pode ser cega.

Mas se queremos, de facto, chegar ao longo prazo com a certeza de que ainda existe longo prazo, é necessário um novo paradigma económico que passa necessariamente por uma alteração radical das formas de produção e das relações sociais a elas associadas. Um novo sistema onde conceitos como os de produção, lucro e crescimento sejam redimensionados e revalorizados, abrindo espaço para outros tão ou mais importantes como bem-estar, justiça, lazer e sustentabilidade ambiental.

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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