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A sétima aparição da troika

Na semana em que passam dois anos da assinatura do memorando da troika, Cavaco invocou Fátima para reafirmar a sua fé nos mercados. Na próxima semana, os protestos viram-se para Belém.

“Deus nos livre de termos um Presidente da República que não mede as palavras que diz”, afirmava Cavaco na campanha presidencial de 2011, a propósito das críticas dos seus adversários aos especuladores que lucravam milhões com a dívida portuguesa. "Se alguém insultar os mercados internacionais” vai haver “prejuízo para a economia nacional”, garantia o Presidente recandidato.

O resto da história é bem conhecida: Cavaco ganhou e abriu as portas à entrada da troika e ao regresso do seu partido ao Governo. Nos dois anos de memorando, o desemprego disparou, centenas de milhares de jovens fizeram as malas e saíram do país e a economia entrou em queda livre, com o Governo a falhar previsões e metas sucessivas e a dívida a crescer a um ritmo imparável. 

A cada avaliação trimestral do memorando, a troika e o Governo insistiram em aumentar a dose de austeridade que está a arruinar a vida das pessoas. Dizem sempre que não há dinheiro para as pensões, os salários, a escola pública e o serviço nacional de saúde, mas nunca lhes falta dinheiro para ajudar os bancos  a recapitalizarem-se quando os acionistas não arriscam a pô-lo do seu bolso ou do seu offshore.

E assim chegámos ao estado em que estamos: um Governo a querer romper unilateralmente o contrato social com os reformados e um Presidente a dizer que a sétima avaliação da troika foi "uma inspiração de Nossa Senhora de Fátima", enquanto convoca um Conselho de Estado para discutir o "pós-troika". 

Cavaco Silva tem obrigação de saber que as políticas que tem preparado com Passos Coelho, Vítor Gaspar e Paulo Portas só adiam esse cenário do "pós-troika". Os anunciados "sucessos" da venda de dívida nos mercados aproximam-nos na prática de um segundo resgate, já que uma economia que afunda 5% em dois anos nunca conseguirá pagar juros de 3%, quanto mais de 5% ou 6%.

Com ou sem inspiração divina, é cada vez mais difícil ao Presidente esconder o segredo de Belém: o segundo resgate da troika já está a ser preparado e traz com ele mais austeridade e miséria, em especial para os que até hoje contavam com o apoio das reformas dos pais e avós para comer e alimentar os filhos. Quando esse segredo for revelado, Cavaco dirá que é mais uma "ajuda dos nossos parceiros". E os mercados ficar-lhe-ão eternamente gratos.

Não é segredo que só a mobilização popular será capaz de afirmar alternativas e assim derrotar a profecia dos mercados sobre a inevitabilidade da austeridade. O calendário aí está: já na próxima segunda-feira e no sábado seguinte em Belém, fazendo pressão sobre o Conselho de Estado e o Presidente para que demita o Governo em vez de entreter o país com os cenários fantasiosos do "pós-troika". E no dia 1 de junho, nas grandes manifestações em todo o país e na Europa, sob o lema "Povos Unidos contra a Troika". As ruas vão de novo encher-se de gente que já não acredita em milagres, venham eles de Bruxelas, Berlim ou Belém. 

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