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A revolta da muleta

O CDS-PP pode ter encetado em Loures um processo de higienização interna no âmbito da sua especialidade enquanto partido-muleta do poder.

O CDS-PP pode ter encetado em Loures um processo de higienização interna no âmbito da sua especialidade enquanto partido-muleta do poder. Trocado por miúdos, significa que pode começar a demonstrar que não tem que se dar com todos sem critério. Os militantes do CDS têm permitido que as suas lideranças façam apeadeiros onde quer que os seus clientes queiram entrar, sendo possível descortinar candidatos de diferentes famílias políticas que, junto à berma da estrada e ao longo de toda a história da democracia portuguesa, levantam a mão pedindo uma viagem de aluguer, gritando - confusos - "CDS!" em vez de "Táxi!". Assim foi, em 78, com Freitas do Amaral e o PS de Mário Soares. Assim foram, várias outras, com o PSD: na AD de 79 a 83, com Durão Barroso e Portas em 2002 ou a "Força Portugal" em 2004, a "Aliança Portugal" em 2014, a "pré-PàF" de 2011 ou a "PàF" em 2015, para além dos inúmeros acordos de governo de incidência parlamentar e de candidaturas conjuntas no poder autárquico e presidencial. Hoje, ainda com a "saia travada" do PPM de Câmara Pereira ou com figuras como Abel Matos Santos. Uma vocação de poder por arrasto.

Ao abandonarem a coligação com o PSD após as declarações (que aqui não reproduzo) do candidato à Câmara Municipal de Loures (CCML), o partido não se declara insolvente perante racismo de pacotilha, lepenismo adjacente e trumpismo de arruinados. Foram várias as vozes. O CDS-PP revela (pela nota do presidente da Distrital de Lisboa, João Gonçalves Pereira) não ter "excessiva tolerância com alguns grupos e minorias" (palavras do CCML em relação à etnia cigana) que saltaram em puro regozijo: o líder da extrema-direita portuguesa, José Pinto-Coelho, apressou-se a considerar o CCML como um "dos meus". Francisco Mendes da Silva, dirigente do CDS, pedia que o seu partido não ficasse nem mais um dia "associado a tão lamentável personagem" e Diogo Feio, expressava a sua satisfação "por não votar em Loures". Para além das críticas de PS e PCP, o BE interpunha queixa-crime ao Ministério Público e queixa à Comissão para a Igualdade e contra a discriminação racial. Passos não guardou silêncio por muito tempo: reitera o apoio ao CCML e é cúmplice com o que de mais rasteiro existe no suicídio da ideia política.

No século XXI de Quintino Aires e de Gentil Martins, os homossexuais derivam da canábis ou são como os sadomasoquistas ou as pessoas que se mutilam. Com as declarações do CCML percebe-se bem como a expressão grosseira da discriminação nada tem a ver com gerações. A generalização abusiva anda de braço dado com a não aceitação do semelhante e o asco à diferença. Com tantos portugueses subsídio-dependentes ou que não pagam impostos ou que transferem depósitos para paraísos fiscais, o CCML escolheu o exemplo dos ciganos. Não fosse conivente, até este PSD de Passos merecia melhor ventura.


Artigo publicado no Jornal de Notícias, 19/7/2017.

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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