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Remunicipalização por água-abaixo!

Na pós-tomada de posse do novo executivo local, surge uma miraculosa proposta de resolução, ou não, para o contencioso do serviço de abastecimento de água e saneamento no nosso concelho.

Na pós-tomada de posse do novo executivo local, com o devido arranjo prévio e exposto em jeito de respigo eleitoral, surge uma miraculosa proposta de resolução, ou não, para o contencioso do serviço de abastecimento de água e saneamento no nosso concelho. Engenhosamente apelidado de adenda, este novo contrato de concessão tem implicações graves e sérias que podem comprometer o nosso futuro.

Tendo como ponto de partida a demanda do perverso acordo firmado pelo PSD, facto que nunca pode ser inocentado e sempre considerado como crime de gestão pública, também é de referir a inabilidade do PS no arrastar do problema e avolumar da dívida, o que o faz estar hoje a negociar sobre a pressão do cutelo de uma sentença condenatória.

Tentando ser conciso e elucidativo dos cenários que se perspetivam em função desta deliberação da autarquia, começo por lembrar que em novembro de 2015 foi aprovado em reunião de Câmara e de Assembleia Municipal uma proposta de resgate de concessão por 87 milhões € que, sem nunca ter sido dada qualquer explicação nem se perceber quais as razões, saltou diretamente para as calendas gregas. E agora, em modo de ultimato, surge a predileta proposta da aquisição de 49% do capital da empresa. A grande deceção é que nada disto corresponde à remunicipalização do serviço e fica-se por uma solução mitigadora que mantém a atual concessão sem qualquer poder de decisão, ao contrário do que o Presidente da Câmara sempre disse e ainda há um ano atrás reafirmou “Lutarei até às últimas consequências pelo resgate total”.

É oportuno questionar como que é que ao fim de vários anos de litígio com tanto dinheiro gasto em advogados, pareceres, estudos, custas judiciais, o resultado é um “desenrasque” bem mais vantajoso para os acionistas privados do que para o município.

Admitindo que outras contas possam ser feitas e com números diferentes por falta de objetividade na informação ou por sub-reptícios segredos, prevê-se que o custo final desta dimanação de risco ultrapasse os 70 milhões (compensações financeiras, imediata e faseada, compra de ações, abdicação da renda de concessão), com a agravante de assumir responsabilidades financeiras de uma empresa tecnicamente falida com um passivo de 112 milhões, que declara prejuízos nos últimos oito anos e com parte das suas ações penhoradas no BCP até 2027.

É a própria Entidade Reguladora (ERSAR) que diz que a empresa apresenta um “nível de robustez financeira bastante frágil, com um elevado grau de recurso a financiamento externo”.

Com esta operação a Câmara corre sérios riscos de se tornar uma entidade avalista da empresa, numa espécie de fiador como concessão de garantia real da AdB.

Acresce dizer a tudo isto, o que já não é pouco, que para cobrir o negócio a Câmara vai contratualizar um empréstimo de 50.530.000€, aprovado por maioria em reunião de Câmara e em reunião AM do passado sábado, em condições que considero penalizadoras para o município. O empréstimo é assegurado por um período de tempo excessivo – 25 anos, o que para além de contrariar o parecer de viabilidade financeira que sustentou a decisão do acordo, também vai contra a regra pública do prazo no máximo de 20 anos ou o período de vida útil do investimento, o que também não é o caso porque a concessão termina em 2034 e o empréstimo prolonga-se por mais 9 anos, até 2043; com um período de carência de dois anos, o que implica que ao não amortizar dívida nesses anos acumula juros nas prestações seguintes e politicamente faz supor uma habilidade de contas aliviadas no último mandato de presidência; um “spread” muito alto (entre 2,125 e 3%) para os juros historicamente baixos que hoje se praticam; uma forte exposição ao risco da flutuação da taxa Euribor a 6 meses que neste momento tem um juro de 0,271% mas segundo as projeções do estudo de viabilidade financeira encomendado pela autarquia, diz que em 2025 esse juro poderá ser de 1,51% e em 2034 de 1,78%. Perante estes dados, o pagamento do empréstimo será na ordem dos 70 milhões o que equivale a uma despesa anual, após o período de carência, superior a 3 milhões €.

Lá vão os barcelenses pagar mais uma fatura de um negócio para o qual não foram tidos nem achados. Para além de endividamento de garrote que atrofia investimento durante muitos anos e por conseguinte inviabiliza hipotéticas obras estruturantes, vamos ter um aumento do tarifário já previsto no Relatório da ReportMaxi encomendado pela Câmara, quando diz que se atualmente o volume financeiro da AdB é de 10 milhões em 2034 (término da concessão) será de 43 milhões. À custa de quê? Aumento da população? Não me parece. Aumento de fogos habitacionais? Não creio. Aumento substancial dos preços de consumo? Óbvio que sim.

Noutro registo e como nota informativa, dizer que na reunião de AM do passado sábado o Bloco de Esquerda apresentou ao plenário uma moção intitulada “Rio Cávado, um bem natural que é de todo(a)s” que foi aprovada por unanimidade. Daqui resulta como deliberação da AM recomendar à Câmara um conjunto de medidas a desenvolver e/ou exigir que sejam implementadas que passam pela criação de um plano de despoluição eficiente e sistemático da bacia hidrográfica do Cávado; pelo restabelecimento dos ecossistemas e da biodiversidade, recuperação da vegetação ripícola e manutenção de um caudal ecológico apropriado; pela entrada em funcionamento de novas ETAR, nomeadamente a de Areias de Vilar; pela existência de um protocolo de monitorização da qualidade da massa de água de forma intermunicipal; pela recuperação do património fluvial edificado (açudes, moinhos, represas…); pela limpeza regular das margens e dos areais e construção de infraestruturas de apoio lúdico e desportivo; pela formalização de protocolos com associações, entidades, clubes, escolas para que a canoagem e outras atividades lúdico-desportivas voltem ao rio, e isso seja fator de proximidade das populações com o desporto fluvial e a cidade.

Agora compete-nos exigir o cumprimento do deliberado e participar nas iniciativas a desenvolver.

Artigo publicado no “Jornal de Barcelos”

Sobre o/a autor(a)

Professor. Dirigente do Bloco de Esquerda
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