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A reforma das freguesias e os mistérios da nossa democracia

No XVI Congresso da Anafre, um dos temas abordados foi a polémica reforma que promoveu a extinção de mais de 1.000 freguesias. Reclamou o Congresso a sua reversão por larga maioria.

Realizou-se em Viseu em 26, 27 e 28 de Janeiro o XVI Congresso da Associação Nacional de Freguesias – Anafre, onde foram tratados diversos assuntos de relevo para este tipo de autarquias locais. Um dos temas abordados foi a polémica reforma que promoveu a extinção de mais de 1.000 freguesias, de forma artificial e sem o assentimento das respectivas populações. Reclamou o XVI Congresso da Anafre a sua reversão por larga maioria.

As freguesias constituíam até então, na sua esmagadora maioria, instituições multisseculares que se constituíram naturalmente em função das necessidades de culto religioso, assumindo uma dimensão comunitária e identitária profunda, com raízes em muitos casos em momentos anteriores à Nacionalidade. As diversas Constituições e leis, não criaram nem extinguiram os milhares de freguesias até então existentes, antes se limitaram a recebê-las como parte integrante da organização do território, sendo certo que procederam, cirurgicamente, a alterações do respectivo mapa ditadas pela evolução dos tempos.

Quer isto dizer que o mapa das freguesias é tendencialmente imutável? A resposta é que o mapa das freguesias deve reflectir a identidade histórica e a vontade das populações, a tal vontade que a Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio procurou anular. O Bloco de Esquerda defendeu então (e defende agora) a consulta das populações, preferencialmente através de referendo local.

Mas o que verdadeiramente se estranha é a ampla maioria da Anafre, que é composta por autarcas eleitos pelo PS, PSD e CDS, os mesmos que subscreveram e avalizaram o Memorando de Entendimento com a Troika, onde primeiro este tema foi imposto. Sabia-se, nas eleições legislativas de 2011, que estes partidos estavam comprometidos com a medida. E ainda assim, os seus autarcas e apoiantes apelaram então ao voto nos seus partidos. Quando a medida veio a ser concretizada, veio um coro de protestos por parte desses mesmos autarcas e apoiantes contra a medida, sendo que a medida e os protestos se mantêm. Mistérios da nossa democracia, que em nada ajudam à sua boa imagem… Mas em todo o caso, que venha a reavaliação da extinção das freguesias, quanto antes.

Artigo publicado no “Jornal do Centro” a 2 de fevereiro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Advogado, ex-vereador a deputado municipal em S. Pedro do Sul, mandatário da candidatura e candidato do Bloco de Esquerda à Assembleia Municipal de Lisboa nas autárquicas 2017. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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