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Recuperar o que nos tiraram e ir mais além

Os aposentados e pensionistas têm sido zurzidos de forma inimaginável apenas há três anos. Pelo seu trabalho, cada um de nós confiou na retribuição contratualizada, devida e proporcional. Ao não honrar este compromisso, o governo deixou de ser pessoa de bem.

Os aposentados pagam uma parte de leão

Os aposentados e pensionistas têm sido zurzidos de forma inimaginável apenas há três anos. Por razões que se prendem com a opção ideológica deste governo de direita, foi decidido que os reformados deviam contribuir com parte de leão para a redução do deficit. Um alvo selecionado com mestria. Isolados e dispersos, com dificuldades compreensíveis em se mobilizar, enfrentando múltiplas situações que dificultam a união e a contestação organizada enquanto favorecem a intriga e a confusão. Sobre este universo pouco uniforme e vasto foi fácil o saque. Não é bonito quando a força é o único argumento.

A luta pela reposição é inquestionável porque o direito à pensão é a contrapartida direta do trabalho executado

Apesar de todas as diferenças, os reformados avançaram. Já descemos as avenidas, já ocupámos as praças, o parlamento, os meios de comunicação social com a nossa luta sempre focada sobre a situação indigna imposta: os cortes, a redução dos escalões do IRS, as taxas para a Contribuição Extraordinária de Solidariedade, entre outras reduções ou abolições. Um quotidiano em luta por direitos, não por privilégios. Pelo seu trabalho, cada um de nós confiou na retribuição contratualizada, devida e proporcional. Ao não honrar este compromisso, o governo deixou de ser pessoa de bem.

As reposições não deverão calar os reformados

Se a luta for focada na reposição das pensões fica incompleta. Para além do perigo das divisões, adquire um pendor economicista, redutor e a mobilização tem fim à vista. A luta é justíssima mas pode esgotar-se no dia seguinte; o balão esvazia-se cedendo ao cansaço. E o poder, de atalaia, conta com o desânimo que nos pode invadir mercê da idade, da solidão e fragilidade de muitos de nós. Entre essa expectativa, disciplinada e silenciosa, e a perfídia, não sabemos qual é qual. Não as distinguimos porque não há nada que as distinga.

É preciso construir um novo quebrado

Os partidos do chamado “arco da governação” estão comprometidos, não podem nem querem encarar o problema de outra forma e, portanto, os termos deste quebrado permanecerão. Resta, então, aos reformados munirem-se de informação para reequacionar a conjuntura introduzindo novos elementos que venham a contribuir para um novo quebrado, projetando a luta para o médio e longo prazos, passando o testemunho e a responsabilidade para a geração seguinte. Cabe aos reformados propor e discutir as soluções que viabilizem um sistema público de pensões, fórmulas que garantam a sustentabilidade do sistema e a inequívoca responsabilidade do Estado na gestão e atribuição de pensões. Insistir que o sistema público está exaurido, insinuando que não tem solução, é abrir a porta ao regime privatizado de pensões.

A luta dos reformados também é pelo estado social

A luta dos reformados tem mais frentes, ganha outra dimensão e redobradas razões no quadro da defesa do estado social. Não há nenhum motivo para afrouxarmos a nossa determinação; a luta não se limita à reposição de pensões. A partir desta primeira etapa, o horizonte alarga-se e outras frentes convocam a nossa atenção e energia. Como é que podemos ignorar as questões relacionadas com a saúde, nós, os mais sérios candidatos aos cuidados de saúde? Porque não discutir e propor soluções na área dos cuidados paliativos? Se não formos nós quem é que melhor exprimirá o problema da solidão e do isolamento? Se não formos nós quem vai denunciar as situações de violência doméstica sobre os idosos? E o problema da habitação e das rendas de par com a questão do empobrecimento? E os desempregados e precários que entraram pela nossa porta dentro?

Não podemos desistir. Por nós e pela geração que segue, de pé

Os problemas e dificuldades referidos são alguns dos que sobejam quando as pensões minguam. Na balança, quando se alivia o prato dos rendimentos, o prato dos serviços tomba. Muitos reformados já perderam o alento e a genica para prosseguirem. Aos que ainda resta ânimo e convicção e a quem a saúde ainda dá alguma trégua, têm uma responsabilidade acrescida, precisam de se organizar e trabalhar pondo em marcha uma grande frente anti-austeritária com propostas concretas para o médio prazo desbastando o caminho para os que lá vêm. Os reformados podem preparar um conjunto de reivindicações e propostas que desemboquem num contrato social repondo o que se tem perdido, indo mais além. Ao tornarmos a luta dos reformados mais generalizada, voltamos ao coração da sociedade, pulsamos com ela, recusamos o isolacionismo. Com convicção, com dignidade, sempre com o pensamento nas gerações que nos substituirão. Encostados às baias é que não; não somos espectadores, nós somos atores.

Sobre o/a autor(a)

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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