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Porra de Sísifo
Mas responder à irresponsabilidade é mais difícil do que chorar a desilusão, como se viu: no tempo de um fósforo, alguma televisão passou a exibir histórias de morte e de pessoas em estado de choque, fazendo delas um espectáculo de voyeurismo, é como se este Portugal quisesse voltar a ser pequenino. Depois, no mesmo fósforo, veio o ajuste de contas político, a falange da direita atira-se ao Presidente, o despeito move montanhas: do CDS, que quer fazer esquecer que Cristas foi ministra da pasta, o tiro vai para os “beijinhos”, enquanto os comentadores da cor desprezam os “abracinhos” e tudo o que for. São fiéis à sua natureza.
Se é verdade que sabemos muito pouco sobre se a resposta à emergência foi adequada nas circunstâncias difíceis, sabemos pela certa que o que desencadeou esta tragédia foi um acontecimento excepcional. O problema é que sabemos também que haverá cada vez mais fenómenos extremos, considerando a montanha russa das alterações climáticas. E sabemos, há décadas que se sabe, que o efeito de tenaz de duas mudanças económicas é devastador: de um lado, a desertificação do interior e o abandono do mundo rural implica que a mata não é limpa, usada e protegida, de outro lado a eucaliptização transforma o interior num barril de pólvora. Para mais, o Estado tem 3% da floresta, na União Europeia tem em média 59% e olhe que são liberais. Não é portanto a meteorologia que nos diferencia de Espanha, Itália ou Grécia: é o factor humano, a floresta não dá votos mas dá lucro.
E aí temos a incúria organizada nesta que será das mais graves faltas de autoridade do Estado. Sempre por austeridade, um governo PS extinguiu o corpo dos guardas florestais; depois, o PSD-CDS, pela mão de Cristas, terminou com os serviços florestais e desmantelou as normas que obrigavam à autorização de novos eucaliptos, até baldios e zonas de regadio foram entusiasticamente prometidas às empresas da celulose, promovendo-se a economia do desastre – mas a ministra anunciava rezar piamente para que chovesse quando a floresta ardia.
Chegado a este ponto, lembro que o desastre do Funchal (foi no ano passado) e uma nova vaga de incêndios (é todos os anos) levou a uma discussão que se parece a papel químico com a que se vai agora iniciando: que não podemos esperar pelo inverno, quando então tudo estará esquecido e já teremos as iluminações de Natal, que é preciso fazer alguma coisa, que há tempo que não se faz nada. Maldito Sísifo.
No fim do verão passado, discutiu-se uma lei que permitisse ao Estado ocupar as terras não tratadas e obrigando-o a ocupar-se delas, dando aos proprietários 15 anos para as reclamarem. Discutiram-se formas de acelerar o cadastro das propriedade rurais, usando mapas militares, georeferenciação e o conhecimento local e agilizando a informação sobre heranças e proprietários. Um ano depois, tudo por decidir. Houve quem se opusesse, as Câmaras Municipais disseram que não têm meios e que há eleições no outono, na esquerda houve quem esgrimisse com a Constituição, tudo em marcha atrás. O governo reuniu em outubro e esperou até março deste ano para apresentar uma proposta de lei que recua em relação ao que sugerira: em vez de obrigação pública, propõe a criação de empresas financeiras para gerir a floresta abandonada, o que significa a concentração da propriedade. Para mais, oferece novos financiamentos para a investigação nas empresas de celulose, para as compensar de qualquer inconveniente, sem criar qualquer mecanismo concreto para controlar a proibição da extensão do eucalipto. Em vez de gestão pública ou associativa da floresta, convida a raposa para o galinheiro; em vez de arrendamento compulsivo das parcelas abandonadas, aceita a regra da operação financeira.
Maldito Sísifo, nem sequer conseguimos por uma vez voltar ao cimo da montanha para parecer que se fez alguma coisa.
Artigo publicado em blogues.publico.pt a 20 de junho de 2017
Comentários
Já devia haver algum tempo
Já devia haver algum tempo que a minha estranha e volátil associação com coisas paranormais,que passavam por filosóficas,não eram reconhecidas normais.No rescaldo do Grande Incêndio florestral de P.Grande foi parece-me reconhecida a origem de fenómeno extremo do acidente,não apenas pelo efeito de descarga eléctrica a um sítio com um nome celta ou romano,ou pelo ciclone tipico das paisagens da América do Norte.Mas também por aspectos de castigo a reclamar a penitência da população no combate a mais um incêndio num momento de calor e seca horrível.Mas são outros os postiços aplicados á sensação de haver uma culpabilidade a reparar por algum cometimento
imposto pela Mãe Natureza sem fuga possível da área do perigo.Pior quando isso se começa a perceber numa vida inteira e que basta para alívio deitar fogo e deixar arder a floresta marcada pelo sinistro.Pertence a faixa ardida ao antigo pinhal de Leiria mandado plantar por el-rei D.Dinis?ou à area de eucaliptal plantada pela ministra Assunção Cristas?Eu também moro próximo da Paiã e Odivelas e foi como anunciado o evento no desdobramento da tempestade desencadeada por baixo das nuvens incendiadas pela luz do sol numa franja com brilho feérico que irradiava uma luz de côr amarela que ao contrário de quente parecia fria;depois de um dia de calor abrasador,havia mais
sinais de estranheza mas sempre que há destruição parece que houve algum propósito destruidor com intervenção da vontade humana(divina)
O susto pode não perdurar quanto a maquiavelicos efeitos que a intenção do mal que em cima de nós recaiu volte a aparecer depois de uma tragédia mais competente para o arrasar que a vontade de algumas pessoas para os manter,tais milenaristas que tinham vindo antes dos incendiários ou terroristas.E essa benção até por causa da vinda do Papa é mais benéfica do que uma inclemência que pesa séculos de incompetência em toda a região onde ocorreram os milagres do sol.
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