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Porque deve o Bloco de Esquerda comemorar o 5 de Outubro?

Uma perspectiva histórico-jurídica. O notável edifício legislativo da I República constitui um momento de afirmação da cidadania e da Igualdade.

I – A I República enquanto momento progressista e os reaccionários de sempre

Comemora-se mais um aniversário do 5 de Outubro de 1910, data da implantação da I República Portuguesa. Apesar dos 106 anos passados, ainda hoje a efeméride levanta polémica e debate aceso. Enganam-se aqueles que pensam que a polémica reside na forma de governo e na oposição entre republicanos e alguns (felizmente muito poucos) monárquicos.

A polémica reside antes no antagonismo entre os valores progressistas e fraternos que se encontraram também no projecto político republicano, por um lado, e os valores retrógrados, conservadores e reaccionários que se mantêm latentes em alguns sectores da sociedade portuguesa, por outro. E falo dos mesmos valores retrógrados, conservadores e reaccionários que:

i) Combatendo o vintismo e a Constituição de 1822 e de 1838 (aprovadas por uma assembleia eleita), procurando restaurar a Monarquia Absoluta, lá acabaram após as Guerras Liberais por se conformar com a conservadora e bem menos democrática Carta Constitucional de 1826 (esta outorgada pelo Rei e conferindo-lhe um excessivo “Poder Moderador”, bulindo com o Princípio da Soberania Popular);

ii) Combatendo a República e a Constituição de 1911, se refugiaram na República Nova, de Sidónio Pais, na Ditadura Militar e no Estado Novo;

iii) Combatendo a Constituição da República de 1976, procuram destruir o seu sistema de Direitos Fundamentais por via legislativa.

A polémica e o debate estão ainda vivos em torno de um conjunto de questões estruturais que motivaram o movimento revolucionário que instaurou a I República, e às quais a I República procurou responder, nem sempre, é certo, com os melhores resultados.

A preocupação da I República com a consagração de um vasto conjunto de Direitos, Liberdades e Garantias ausentes da Carta Constitucional de 1826 representa uma luta de cidadania, a afirmação de direitos conquistados e não outorgados por um soberano, na senda das Constituições de 1822 e 1838, ambas de curta vigência, mas resultado do labor de assembleias eleitas e não de qualquer favor do monarca.

É certo que a I República apresentou inaceitáveis limitações, incompreensíveis sobretudo aos nossos olhos de hoje, como a limitação do direito de voto, em especial com a exclusão das mulheres do seu exercício, ou a limitação e repressão dos direitos de luta dos trabalhadores.

Reconhecendo todas as imperfeições da I República, tentarei ao longo deste texto pôr em contraponto as conquistas da República face à Monarquia Constitucional, procurando demonstrar a importância da obra legislativa da I República em muitas matérias, a importância da sua defesa e o legado insubstituível da I República a todas e a todos quantos à esquerda comungam dos valores democráticos, progressistas e de justiça social.

No fundo deixar claras as razões para o Bloco de Esquerda comemorar a implantação da I República e de reivindicar também o seu legado.

II – Valores republicanos: renovação de titulares de cargos políticos e transparência

A I República mudou a natureza do regime, que de uma monarquia hereditária, caracterizada pela existência de cargos vitalícios e hereditários, fosse o Monarca, fossem membros do Poder Legislativo (a Câmara dos Pares incluía Pares vitalícios e hereditários) permitiu melhor apurar a representação da vontade popular e extinguiu os privilégios de nascimento.

Por outro lado, e inerente ao Princípio Republicano, a renovação dos titulares dos cargos políticos assumiu especial importância no sistema político da I República. Ainda hoje esse princípio tem grande relevância, designadamente na limitação de mandatos.

O Bloco de Esquerda assumiu esse combate político, fosse através de iniciativas legislativas, fosse nas últimas eleições autárquicas, impugnando os “candidatos dinossauros”, numa interpretação mais restritiva da lei da que havia de ser acolhida pelo Tribunal Constitucional (que apesar de tudo nunca produziu uma decisão unânime na matéria). Uma luta que não findou ainda, muito havendo para fazer, do ponto de vista legislativo e judicial para manter acesa a chama da renovação dos titulares de cargos políticos.

Do Princípio Republicano, e da ética que lhe é subjacente, decorre também a necessidade de transparência de titulares de cargos políticos, seja por um conjunto robusto de incompatibilidades e impedimentos que garantam a independência no exercício de funções, seja por um regime de transparência de património e rendimentos que previna indesejáveis fenómenos de corrupção. O Bloco de Esquerda também aqui desenvolve um notável papel na preservação e afirmação dos valores republicanos.

III – A República, a Constituição e a sua garantia

A I República introduziu, pela primeira vez no nosso constitucionalismo (e no constitucionalismo europeu), mecanismos para o Poder Judicial proceder à fiscalização da constitucionalidade das leis, até então inexistente (ver artigo 63.º da Constituição Política da República Portuguesa de 1911).

A afirmação da Constituição como parâmetro da validade da actuação dos órgãos do Estado é uma condição essencial do Estado de Direito Democrático. Afinal, a Constituição de um Estado de Direito Democrático representa o consenso criado em torno de um conjunto de valores pelos representantes do Povo, no qual reside a soberania.

Foi a Constituição vigente que travou a deriva de destruição do Estado Social na última Legislatura, funcionando como barreira a uma política desastrosa e de promoção da desigualdade social, que extorquiu direitos e rendimentos.

Os mecanismos de fiscalização da constitucionalidade de normas são hoje mais alargados, fruto de um sistema misto, que acolhe o modelo de fiscalização difusa (por todos os tribunais) da constitucionalidade inaugurado com a I República em complementaridade com um modelo concentrado, confiado ao Tribunal Constitucional (que actua como órgão único de fiscalização abstracta, e como órgão último de recurso em sede de fiscalização difusa) e que permite ainda a fiscalização abstracta de normas, seja ela preventiva (antes da promulgação da lei), seja sucessiva (no decurso da sua vigência).

O Bloco de Esquerda não apenas tem defendido o modelo de fiscalização da constitucionalidade de normas vigente como também tem defendido, quer no seu programa eleitoral, quer em iniciativas de Revisão Constitucional, o alargamento da possibilidade de requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva abstracta de normas a grupos de cidadãos eleitores, quebrando o monopólio vigente em favor de órgãos do Estado.

IV – A República e os direitos, liberdades e garantias

A Monarquia Constitucional, é bom exprimi-lo claramente, não era uma democracia ou uma monarquia constitucional como hoje as conhecemos.

Durante a Monarquia Constitucional, e com a conivência dos monarcas, alternavam Governos entre os partidos tradicionais, numa prática que ficou conhecida como rotativismo, escolhendo o Rei o Governo que organizaria as eleições e, consequentemente as ganharia através de uma rede de caciques alimentados pelo aparelho de Estado, o que mereceu a caricatura de Eça de Queiroz e de Ramalho Ortigão em “As Farpas”.

Igualmente foi comum a existência de governos ditatoriais, destacando-se pelo seu carácter repressivo e antidemocrático os Governos liderados por João Franco. O carácter repressivo destes governos, com leis de excepção e de imprensa, bem como com tribunais e normas processuais especiais para tratar de crimes políticos, foi rastilho para o regicídio, como já tive oportunidade de escrever1.

A liberdade de expressão e de imprensa, com a revogação da legislação restritiva da Monarquia Constitucional (Decreto com força de Lei de 10 de Outubro), a aprovação de um novo quadro legal (Decreto com força de Lei de 28 de Outubro) e a sua expressa consagração como Direito Fundamental, de forma mais ampla que na Carta Constitucional de 1826 (artigo 3.º, n.º 13 da Constituição Política da República Portuguesa de 1911).

A Constituição Política da República Portuguesa de 1911, elenca os direitos, liberdades e garantias logo no seu artigo 3.º, sublinhando a sua importância e centralidade (a Carta Constitucional de 1826 reserva-lhes a sua derradeira disposição – o artigo 145.º) e viria ainda a introduzir vários direitos, liberdades e garantias, ausentes da Carta Constitucional de 1826, designadamente:

i) A proibição da aplicação da pena de morte e de penas corporais, perpétuas ou de duração ilimitada (artigo 3.º, n.º 22)2;

ii) A garantia do direito de recurso e a proibição da reformatio in pejus3 (artigo 3.º, n.º 24);

iii) O habeas corpus, enquanto meio judicial urgente de assegurar a liberdade dos cidadãos por ilegalidade ou abuso de poder (artigo 3.º, n.º 31);

iv) O direito de resistência (artigo 3.º, n.º 37);

v) O direito de reunião e associação livre (artigo 3.º, n.º 14);

vi) A liberdade religiosa e de culto (artigo 3.º, n.º 4, 5, 6, 8 e 9)

vii) O ensino primário elementar obrigatório e gratuito (artigo 3.º, n.º 11)4;

viii) O ensino público não confessional (artigo 3.º, n.º 10).

V – República, laicidade e família

A obra da I República na laicização do Estado foi uma obra admirável e pesada, por ventura não isenta de alguns excessos pontuais, mas necessários para o rompimento de uma relação inaceitável entre o Estado e a Igreja.

Convém lembrar que a Carta Constitucional de 1826 previa:

i) A consagração da Religião Católica Apostólica Romana como religião do Reino, apenas se tolerando aos estrangeiros a prática de outras religiões, em espaços privados e sem forma exterior de templo (artigo 6.º);

ii) A competência régia, por via governamental para nomeação dos Bispos e o provimento de Benefícios Eclesiásticos (artigo 75.º, § 1.º);

iii) O juramento de manter a Religião Católica Apostólica Romana pelo Rei (artigo 76.º) e pelo herdeiro presuntivo da Coroa (artigo 79.º);

iv) A garantia de não perseguição por motivos de religião fica dependente de não ofensa à religião do Estado (artigo 145.º, § 4.º).

Os Bispos e os Párocos eram funcionários públicos, desempenhando funções administrativas e assegurando, por via dos assentos de baptismo, casamento e de sepultamento as funções probatórias e registais hoje atribuídas ao Registo Civil.

O Governo Provisório da República fez aprovar e publicar o Código do Registo Civil, de carácter obrigatório, pelo Decreto com força de Lei de 18 de Fevereiro de 1911, passando agora essa função até então desempenhada pelos Párocos a ser assegurada por serviços públicos e de forma universal, e não apenas para os que professassem a religião católica.

Mas a separação definitiva da Igreja e do Estado viria com a publicação do Decreto com força de Lei de 20 de Abril de 1911, que regulamentou a matéria, destacando-se o especial cuidado e protecção conferidas à livre prática religiosa, de onde se destaca:

i) A liberdade de culto e consciência a nacionais e estrangeiros residentes em território português;

ii) A proibição de perseguição em função da religião;

iii) A proibição da inquirição acerca da religião professada por qualquer autoridade;

iv) A garantia irrestrita da liberdade de culto privado;

v) A regulamentação do exercício do culto público;

vi) A proibição do financiamento público do culto religioso;

vii) A permissão expressa do ensino confessional, desde que sem financiamento público;

viii) A criminalização do impedimento ilegítimo de qualquer prática religiosa;

ix) A criminalização das injúrias contra ministro de qualquer religião no exercício legítimo do culto público;

x) A criminalização da ameaça contra a prática ou financiamento legítimo de culto público;

xi) A criminalização da usurpação de funções de ministro de religião por quem não possa exercer essas funções;

xii) A permanência na esfera do Estado do património até então usufruído pela Igreja Católica, sem prejuízo da sua cedência obrigatória e gratuita quanto a imóveis e bens afectos ao culto religioso para a prática desse mesmo culto;

xiii) A extinção de impostos e contribuições obrigatórias de carácter religioso;

xiv) A atribuição, a requerimento do interessado, de pensões aos eclesiásticos que até à separação do Estado e da Igreja houvessem exercido funções eclesiásticas remuneradas pelo Estado, garantindo-se a sua subsistência.

Este foi um documento notável e equilibrado, merecendo a natural resistência dos dignitários católicos em reacção à sua perda de influência e na luta pela manutenção dos privilégios que vinham do tempo da Monarquia.

Ainda hoje é bem patente a resistência da Igreja Católica em recusar deixar de ter uma posição de privilégio perante o Estado Português, seja pela pressão exercida em favor do financiamento do ensino confessional, seja pela recusa da redução de benefícios fiscais ou pelo manifesto favorecimento em financiamentos para equipamentos para fins religiosos obtidos através do Estado e autarquias locais.

A laicização do Estado implicou também alterações ao Direito da Família, consagrando-se:

i) O direito ao divórcio, até então impensável atenta o carácter oficial de Religião do Estado de que gozava a Igreja Católica e o carácter indissolúvel do casamento católico. O Decreto com força de Lei de 3 de Novembro de 1910 viria a regular o direito ao divórcio, estabelecendo ainda a igualdade entre homem e mulher na punição do crime de adultério5, apesar de manter este tipo legal;

ii) A protecção aos filhos ilegítimos na sucessão hereditária relativamente aos seus ascendentes, pelo Decreto com força de Lei de 31 de Outubro de 1910, repudiando assim a visão da moral católica relativamente à concepção fora do casamento.

Nos dias que correm outras são as conquistas em matéria de Direito da Família, sempre em nome de um progressivo reconhecimento de realidades até aqui vedadas por concepções morais e confessionais, onde o Bloco de Esquerda teve um papel fundamental, como seja o casamento e a adopção por homossexuais, a protecção da união de facto ou a protecção às diversas formas de família, designadamente as monoparentais. Ainda assim estas conquistas enfrentaram e enfrentam ainda a oposição de sectores conservadores e religiosos, o que demonstra bem a ousadia da I República e a necessidade de manter vivos os seus valores.

VI – A República e a Justiça Social

A I República, pese embora o seu carácter essencialmente demo-liberal e a grande diversidade e amplitude de pensamento social do Partido Republicano Português não deixou de promover medidas com vista à obtenção de maiores níveis de justiça social.

O Direito à Habitação mereceu destaque inicial, com a aprovação da Lei do Inquilinato (aprovada pelo Decreto com força de Lei de 12 de Novembro de 1910), conferindo maiores garantias aos inquilinos num momento onde a carência de habitação, em especial em Lisboa e Porto era grande.

Ainda hoje nos debatemos com a necessidade de garantir uma maior protecção aos inquilinos, considerando a dramática liberalização do mercado de arrendamento e ainda com as recém aprovadas alterações à Lei da Renda Apoiada, sendo bem conhecidas as posições do Bloco de Esquerda nessa matéria.

Em matéria laboral, e apesar de a I República ter enfrentado grandes crises grevistas e movimentos de luta de trabalhadores, às quais respondeu, por vezes, com pesada repressão, houve ainda assim progressos a assinalar, designadamente:

i) A legalização e regulamentação do Direito à Greve (Decreto com força de Lei de 6 de Dezembro de 1910), que pese embora apresentar extensas restrições, representou um virar de página face à criminalização do exercício da Greve operada até então pelo artigo 277.º do Código Penal de 18866;

ii) O descanso semanal obrigatório (Decreto com força de Lei de 9 de Janeiro de 1911);

iii) A responsabilidade da entidade patronal por acidentes de trabalho (Lei n.º 83, de 24 de Julho);

iv) A limitação do tempo de trabalho a 8 horas diárias e a 48 horas semanais (Decreto n.º 5516, de 7 de Maio de 1919), apesar de excepções para empregados domésticos, rurais e da hotelaria (até então o horário de trabalho era ilimitado)7;

v) A adesão de Portugal à Organização Internacional do Trabalho enquanto membro fundador (1919).

A Lei de 15 de Fevereiro de 1913 estabelece o primeiro imposto progressivo, no caso a Contribuição Predial, cuja taxa variava de acordo com os rendimentos do contribuinte, princípio hoje inscrito na Constituição da República Portuguesa e tantas vezes distorcido, como se verifica na diferença de tratamento dos rendimentos do trabalho e dos rendimentos de capital ou na redução de escalões de IRS na última legislatura!

VII – República e descentralização

A I República e o seu edifício jurídico assumiram a defesa da descentralização administrativa e a autonomia do que hoje chamamos autarquias locais. As importantes vitórias do Partido Republicano Português nas eleições municipais de 1908, onde se sublinha a vitória na eleição para a Câmara Municipal de Lisboa, permitiram a dinamização do Congresso Municipalista de Lisboa em 1909, que seria repetido ainda em plena Monarquia, no ano seguinte, no Porto.

Das conclusões desses Congressos Municipalistas vingaria a tese de condenação da tutela administrativa exercida pelo Governo sobre os municípios e da adopção do referendo local como meio de controlo democrático da actuação das Câmaras Municipais.

A Constituição Política da República Portuguesa de 1911 haveria de acolher estes princípios, no seu artigo 66.º, estabelecendo a autonomia administrativa e financeira e a proibição de ingerência do Governo na vida dos corpos administrativos locais, bem como prevendo o recurso ao referendo local.

Esta noção de democracia local haveria de ser concretizada pela Lei n.º 88, de 7 de Agosto de 1913 e pela Lei n.º 621, de 23 de Junho de 1916, esta última consagrando o referendo como processo necessário para a criação, extinção e modificação territorial de municípios e freguesias.

Também aqui é fácil de ver a dimensão democrática e participativa que o Bloco de Esquerda tem tido relativamente às autarquias locais, seja no domínio das iniciativas legislativas, mormente na exigência de referendos locais para a criação, extinção e modificação territorial de autarquias locais.

Em termos locais, os autarcas do Bloco de Esquerda têm demonstrado bem a necessidade de promover a participação das populações, por via referendária, na tomada de decisões de grande importância na vida local, não se arrogando do exercício do mandato representativo como direito inalienável e preclusivo da auscultação da vontade das populações!

VIII – República, sempre!

Em conclusão, o notável edifício legislativo da I República (em boa parte devido ao notável labor, técnica e saber do Doutor Afonso Costa) constitui um momento de afirmação da cidadania e da Igualdade, por oposição a um regime monárquico, confessional, pouco garantístico e retrógrado.

É de assinalar a profunda mudança alcançada e a actualidade de muitas destas medidas. Mas não deixa de ser preocupante a fragilidade de muitas delas nos dias em que vivemos. Afinal o reaccionarismo, o conservadorismo e o confessionalismo ainda têm voz, muitas vezes amplificada por certa comunicação social, fazendo do combate pelas causas republicanas um combate ainda muito actual.

As reacções biliosas dos sectores mais reaccionários e conservadores da sociedade portuguesa, mais de 100 anos volvidos da implantação da República, chegando ao ridículo e à desonestidade intlectual de apontar à República imperfeições que eram ainda pior na Monarquia Constitucional, demonstram bem que não conseguiram ainda digerir muitos dos ganhos civilizacionais que nos foram trazidos pelo pensamento e prática republicana, em particular na sua obra jurídica. Mas sobretudo demonstram a necessidade de defesa e afirmação dos valores republicanos e da laicidade.

Cabe-me, por último, testemunhar que o Bloco de Esquerda carrega, com orgulho, esse legado da I Republica na sua praxis quotidiana. Afinal, se o Presidente Manuel de Arriaga, para residir no Palácio de Belém enquanto Presidente da República, exigiu pagar a respectiva renda, numa manifestação de probidade republicana, é bem sabido que os eleitos do Bloco de Esquerda recusaram benefícios como subvenções vitalícias por exercício de cargos políticos.

A todos, saúde e fraternidade!

Viva a República!


 

2 A pena de morte havia já sido abolida para os crimes civis, por Carta de Lei de 1 de Julho de 1867. O seu acolhimento em sede de Constituição só se viria a dar com a I República, logo na primeira versão da Constituição de 1911. Apesar desta proibição constitucionalmente expressa, a Pena de Morte manteve-se no domínio dos crimes de guerra, sendo aplicada, uma única vez em 16 de Setembro de 1917 ao soldado João Augusto Ferreira de Almeida, combatente na Flandres na I Guerra Mundial. Sublinhe-se que a constitucionalidade da norma que permitia a aplicação da pena de morte era altamente questionada, bem como a forma como decorreu o processo que levou à sua condenação.

3 Reforma da decisão judicial que agrave a pena ao arguido.

4 A Carta Constitucional de 1826 apenas previa a sua gratuitidade, já não a sua obrigatoriedade.

5 Até então o homem era punido de forma mais branda nos termos do Código Penal de 1886.

6 Este Decreto, que ficaria celebrizado pela expressão “Decreto-Burla”, por haver defraudado as expectativas dos sindicatos e dos trabalhadores, legalizava o recurso à greve, mas também ao lock out, até então criminalizados, apesar de estabelecer um vasto conjunto de restrições, quer quanto ao direito subjectivo à greve e ao lock out, quer quanto às condições objectivas em que eram permitidos. A Assembleia Nacional Constituinte ainda debateu a consagração do Direito à Greve enquanto Direito Fundamental, não tendo tal proposta merecido vencimento. Ainda assim, sublinhe-se que se discutiu a passagem de ilícito criminal a Direito Fundamental do exercício do Direito à Greve!

7 Apenas em 1996 seria instituída a semana de trabalho de 40 horas, com a vigência da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho!

Sobre o/a autor(a)

Advogado, ex-vereador a deputado municipal em S. Pedro do Sul, mandatário da candidatura e candidato do Bloco de Esquerda à Assembleia Municipal de Lisboa nas autárquicas 2017. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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