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PISA 2015, resultados inclinados?

O percurso destes alunos foi marcado sobretudo pelos currículos e programas que Nuno Crato deitou para o lixo.

A direita está sem discurso. Na educação, como no resto, apostaram numa tese catastrofista confiando ao diabo também a tarefa de dar cabo do início do ano letivo. Como a tese chocou com a realidade, o único refúgio da direita tem sido uma penosa defesa dos méritos do cratismo, geralmente entendido como expressão de luto.

É por isso que qualquer notícia que associe testes feitos em 2015, quando Nuno Crato ainda era ministro da Educação, e melhoria das aprendizagens é imediatamente aproveitada pela direita como água no deserto. A coincidência temporal é inegável, mas quer isso dizer que as políticas de Nuno Crato produziram positivos na Educação em Portugal? Dificilmente.

A primeira coisa que tem de ficar clara é que PSD e CDS não podem reivindicar a autoria destes resultados. Desde logo, porque os alunos de 15 anos que agora foram avaliados tiveram a sorte de andar um passo à frente das alterações do anterior Governo, não fizeram exames precoces nem apanharam as mudanças de currículo e de programas que vinham a ser aplicados a partir dos inícios de ciclo. Ou seja, o percurso destes alunos foi marcado sobretudo pelos currículos e programas que Nuno Crato deitou para o lixo.

O PISA tem a vantagem de avaliar conteúdos mais complexos do que os conhecimentos imediatos deste ou daquele programa. Se sairmos da simplificação absurda da coincidência temporal, estes resultados não são mérito de nenhuma medida em particular porque correspondem a uma evolução de 15 anos em que tudo conta, desde a escolarização da família até ao estado de degradação das escolas, desde as coisas positivas como a rede de bibliotecas escolares e o Plano Nacional de Leitura, como as menos positivas como o abandono da formação de professores.

Deixar que a direita reivindicasse os méritos destes resultados seria, além de incorreto, uma irresponsabilidade. Estaríamos a enganar-nos sobre as causas do progresso e a correr o risco de persistir no erro em vez de reforçar o que está bem. Não é só porque o PISA recomenda um conjunto de políticas que são maioritariamente contrárias à tradição de Nuno Crato, é sobretudo porque o PISA nos mostra os erros que a direita não quer ver.

O primeiro, mais persistente no tempo e por isso mais nefasto, é a confusão entre chumbos e exigência. Atrás dessa falaciosa confusão, que a direita adora, está uma cultura de retenção bacoca, conservadora, que em vez de resolver os problemas de aprendizagem dos alunos se limita a excluir quem os tem. Metade dos alunos com 15 anos que o PISA avaliou não estava no ano de escolaridade a que pertence, ou seja, tinha chumbado pelo menos uma vez ao longo do percurso escolar. Portugal é dos países da Europa que mais associa a retenção escolar a um baixo estatuto socioeconómico e cultural das famílias.

É verdade que Nuno Crato não inventou a cultura de retenção, mas defendeu-a e promoveu-a. Aliás, Nuno Crato promoveu tudo o que conduzisse a Escola a um lugar de seleção, de exclusão e de competição, como se a educação não fosse um direito de todas as crianças, mas um processo de triagem social. Sim, melhoramos no PISA, é verdade. Mas a que custo?

Numa das suas piores medidas de sempre, Crato deu sequência a esta cultura de retenção. Parte dos alunos que chumbaram foram encaminhados para o ensino básico vocacional, um caminho curricular sem saída só para os alunos que aos 13 anos já tinham chumbado um par de vezes. Para esconder o abandono e o insucesso escolar, Crato limitou-se a retirar os alunos com maiores dificuldades do percurso escolar, escondendo do radar dos rankings, dos estudos e dos Pisas dezenas de milhares de crianças a quem aos 10 ou 11 anos disseram que a Escola não era para elas.

Os resultados do PISA devem deixar-nos satisfeitos, mas nunca cegos. Tanto a elevada retenção, que o estudo mostra, como o ensino vocacional, que o estudo esconde, fazem parte da mesma visão de seleção social que a direita tentou imprimir na Escola Pública. Se quiserem reivindicar alguma herança, só pode ser esta.

Artigo publicado no jornal “Público” a 12 de dezembro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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