Está aqui

Piloto automático

O Portugal verdadeiro é um país que está a quilómetros de distância do Portugal sonhado por estes Gaspares, Relvas, Coelhos e Cavacos.

Parece que este governo vive num fuso horário diferente do nosso. Um fuso horário que o coloca muitos anos atrás. Julgávamos que isso era impossível. Mas, pelos vistos, não é. Um fuso de décadas. Nós a vivermos na segunda década do séc. XXI e o governo a cinquenta anos de distância. Que desacerto. Não pode dar bom resultado. Alguém está enganado nesta farsa de tempo.

Todos os dias o governo desce vários degraus neste país escada. Um país esgotado de cansaço a quem se diz que é preciso descer um pouco mais para chegar ao sítio ideal. Quando se pergunta, então, já chegámos, a resposta é sempre a mesma. Não, mas é já a seguir. Não será para o próximo ano, mas estamos quase lá.

Há muito tempo que dura esta conversa mole. Conversa de bêbados, repetitiva e igual, inconsequente e inferior. Estas criaturas servis fazem grandes vénias à patroa alemã, como dantes as criadas de fora eram obrigadas a fazer aos seus amos, que por sua vez olhavam para elas com um desdém rançoso. Tal e qual como agora.

E se fazem vénias aos boches, mais se curvam em acrobáticas genuflexões verbais, e não só, aos paquetes da troika. Relvas e Passos ficam bem de colete e avental.

Estes tipos não se mostram alarmados com as campainhas de alarme que soam por toda a parte, do norte ao sul, no campo e na cidade. Julgam que são exercícios, ensaios, em caso de tragédia, de fogo ou terramoto. Não olham os olhos incandescentes das pessoas. A raiva ígnea dos injustiçados. Nem percebem o tremor das ruas. Sabemos todos, que quase todos os criminosos perspetivam a impunidade como provável. Quando os crimes são cometidos, os delinquentes pensam sempre que se safam.

Este governo tem uma avença com vários troca- tintas. Gaspar é agora um homem experiente. Ganhou já uma longa experiência do fracasso.

Desenfreado e despudorado, fácil e menor, Passos Coelho delira todos os dias com uma proposta nova. Ou é a TSU ou são as propinas no Secundário. Treslê a constituição, que se lixe a constituição, rouba-nos o passado, o passado que se lixe, acena-nos com o futuro que sabemos todos está lixado, e lixa-nos o presente. Depois disto tudo é preciso lixar o governo.

Trabalham por turnos. Quando não é a alemã é a Goldman Sachs. Quando não é a Goldman é a Standard and Poors, quando não é a Moody’s é o BCE e assim sucessivamente. A lista não é muito grande, porque os donos do mundo não são muitos.

De acordo com o agiota de turno a governança faz mesuras a um, acena respeitosamente a outro, discursa reverente e parola àquele outro.

O governo de Relvas e Passos Coelho é a própria encarnação da subalternidade. Não encontra a posição vertical porque nunca teve uma posição vertical.

A dívida, o défice e mais um par de botas garantem a obediência.

Enfrascados de números mandam comentadores comentar a nossa vida. Falem, falem.

Em Belém, um piloto automático está na presidência. Um piloto automático tenso e omisso, supostamente distraído, que removeu qualquer possibilidade constitucional de uma garantia mínima de decência. Conversas de uma banalidade atroz povoam-lhe o discurso magro.

Uma presidência sem temperatura. E anémica. Sem pinga de sangue, de graça, de colorido, de qualquer coisa que lembre longinquamente um corpo vivo, um som, uma voz, ou uma nota musical mínima.

Muito de vez em quando, quando o piloto automático abre a boca, abrem-se alas reverentes que só constatam que ele abriu a boca. Mas depois é igual ao litro, porque dali não vem nada de jeito.

Esta coisa mecânica que está na presidência tem um único sentimento, medo, medinho, pânico quando vaiado. Mas o facto de ter um único sentimento não o transforma num ser humano. É só um robot com medo. Fica então com o ar de quem tem qualquer problema no fígado. O piloto tem maus fígados.

O Portugal verdadeiro é um país que está a quilómetros de distância do Portugal sonhado por estes Gaspares, Relvas, Coelhos e Cavacos.

Este orçamento que por aí vem é a síntese governativa desta gente, a que acresce como brinde a presidência vazia pilotada por um fantasma.

O estimado e estimável governo de Passos Coelho não vai acabar bem. Ainda bem.

Sobre o/a autor(a)

Advogada, dirigente do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
(...)