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Os desempregados e os “passos maiores que as pernas”

A situação de quem está desempregado continua a ser, em muitos aspetos, inaceitável. Um exemplo é a degradação da própria prestação.

Está quase a fazer um ano (no próximo dia 1 de outubro) que acabaram as famosas “apresentações quinzenais” para desempregados. Procedimento burocrático e sem qualquer conteúdo, vazio do ponto de vista do acompanhamento dos centros de emprego, inútil do ponto de vista da “fiscalização”, as apresentações quinzenais eram também um desrespeito e uma ofensa aos desempregados, porque os tomava como suspeitos e os tratava como se fossem arguidos obrigados a termo de identidade e residência. Quando a proposta de lhes pôr fim foi apresentada pelo Bloco, confrontou-se com as hesitações do PS e os ataques do PSD e do CDS. Mas ganhámos esse combate. Hoje, não há ninguém no país que sinta falta dessa humilhação e parece não haver uma única voz que se erga para defender o seu regresso. Ainda bem.

Mas a situação de quem está desempregado continua a ser, em muitos aspetos, inaceitável.

Um exemplo é a degradação da própria prestação. Em 2012, o governo da direita alterou o limite máximo do subsídio de desemprego e introduziu um corte de 10% aplicável a todos os subsídios concedidos há mais de 180 dias, apresentando perversamente esse corte como um “incentivo à procura ativa de emprego por parte dos beneficiários”.

A ideia de que a desproteção e a pobreza são “incentivos à ativação” parte de um preconceito inaceitável sobre as pessoas, que as trata como preguiçosas em potência e suspeitas de fraude. Decorre, também, de uma conceção errada, segundo a qual o subsídio de desemprego seria um favor do Estado, sujeito a condicionalidades, e não um direito dos trabalhadores resultante dos seus descontos. Além do mais, esta medida parece esquecer que a própria “procura de emprego” exige disponibilidade e meios materiais, precisamente aqueles que se comprimem com este corte, que condenou muitos desempregados, designadamente os que tinham subsídios de valores mais reduzidos, a viver abaixo do limiar de pobreza e sem meios para garantir a sua mobilidade e condições de vida digna.

É verdade que este corte foi parcialmente removido em maio deste ano, sob a pressão da esquerda e os pronunciamentos do Provedor de Justiça, para os desempregados cujo corte os colocava com rendimentos abaixo do Indexante de Apoios Sociais, ou seja, numa situação de pobreza. Mas por que razão um corte deste tipo há-de manter-se para os restantes desempregados?

Outra dimensão do problema é a da cobertura deste apoio. Entre 2009 e 2015, período mais agudo da crise económica e de maior desemprego, houve uma diminuição de 101 715 beneficiários de prestações de desemprego. Em 2009 o rácio de cobertura era de 69,1%, em 2015 ela passou a ser apenas de 47%. Se tivermos em consideração que este rácio conta apenas com os desempregados inscritos no IEFP, conclui-se que a percentagem de cobertura é ainda menor. Ou seja, a larga maioria dos desempregados já não beneficia, atualmente, de qualquer prestação de desemprego, o que é uma situação socialmente insustentável e uma agressão a princípios fundamentais da nossa Democracia.

Isto não aconteceu por acaso. O Governo anterior limitou os prazos de concessão e baixou os valores do subsísio de desemprego (entre 2009 e 2015, o montante médio diminuiu cerca de 100 euros mensais). Situação particularmente grave é a das pessoas que, ao fim de uma vida inteira de trabalho e de descontos, se vêem atiradas para o desemprego, e depois de esgotado o subsídio, continuam a não encontrar nenhuma oportunidade de trabalho. O desafio que se coloca é, pois, evidente: estas pessoas, que têm muitas vezes carreiras contributivas com 40 anos (ou até mais), precisam de uma resposta que lhes prolongue o apoio ou permita que se reformem antecipadamente, sem as penalizações que hoje persistem. É também a eles e elas que deve responder o próximo Orçamento de Estado.

Este ano, as receitas da Segurança Social cresceram cerca de 800 milhões de euros, em resultado da política de recuperação de rendimentos e da criação de emprego. Sim, há margem para responder a quem está no desemprego, reforçando as oportunidades de trabalho, garantindo uma maior proteção, permitindo o acesso à reforma ou acabando com o corte ilegítimo de uma prestação para a qual descontaram. Nenhuma dessas medidas é, para utilizar a expressão infeliz do primeiro-ministro, “dar um passo maior que a perna”. Pelo contrário, como o próprio sabe, a perna não é assim tão curta e a atual solução política não se fez para ficar parado: está dependente dos passos que se dêem para fazer do país um lugar mais justo.

Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 8 de setembro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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