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Objetivo cumprido: Vai haver menos estudantes a candidatar-se ao Ensino Superior

Este ano, 43 % dos estudantes que vão fazer exames não tenciona candidatar-se ao Ensino Superior. Caminhamos, assim, em contraciclo com todos os esforços que a sociedade portuguesa fez para a qualificação da sua população.

O investimento em educação e a possibilidade de acesso e frequência, em condições de igualdade, ao Ensino Superior são eixos fundamentais para o desenvolvimento económico, social e democrático dos países. O direito à educação e à possibilidade universal de acesso aos graus mais elevados de ensino foi, por isso, uma conquista profundamente democrática e absolutamente indissociável da luta e da construção do Estado Social. Talvez por isso, seja tão evidente a agenda liberal que se tem desenhado para o Ensino Superior e que se consubstancia na ideia absolutamente atrasada, peregrina e conservadora de que devemos ter universidades caras, elitizadas, a que apenas os setores mais altos da sociedade têm acesso e totalmente geridas com, como e para empresas.

Como se verifica em todos os indicadores qualificacionais temos assistido nos últimos anos a uma tendência de exclusão dos estudantes mais pobres das universidades portuguesas. Esta tendência de exclusão de parte do universo estudantil, associada a uma visão ideológica mercantilizadora para o Ensino Público, desenvolve-se em quatro eixos estruturais. Em primeiro lugar por via direta da transferência do financiamento às instituições de Ensino Superior do Estado para as famílias, através do aumento sucessivo de propinas e outras taxas. Em segundo lugar, por via da diminuição e condicionamento dos apoios sociais aos estudantes que permitiriam atenuar as desigualdades no acesso e na frequência, como as bolsas de estudo, as cantinas, residências, apoio no material ou o passe escolar. Em terceiro lugar por via da substituição da ação social por empréstimos bancários aos estudantes, que se densificam e alastram, endividando os estudantes muito antes de entrarem no mercado de trabalho (onde já não há trabalho para mais de 40% jovens e onde o que há é maioritariamente trabalho precário). E em quarto lugar por via da austeridade que empobrece as famílias, destrói os serviços públicos e conduz o país à bancarrota.

Naturalmente que a consequência destas políticas tem consequências óbvias nos dados. Este ano, 43 % dos estudantes que vão fazer exames não tenciona candidatar-se ao Ensino Superior. Em relação ao ano passado há mais 9.356 estudantes que não tencionam prosseguir os seus estudos. No total há 67.654 jovens que vão fazer exames e não se candidataram ao Ensino Superior. Ou seja, temos menos jovens com ambições de estudarem nos graus mais elevados de ensino e a vê-lo como uma possibilidade de emancipação ou de alguma estabilidade no futuro. Caminhamos, assim, em contraciclo com todos os esforços que a sociedade portuguesa fez para a qualificação da sua população. Caminhamos, assim, para um passado do qual não temos nenhuma saudade.

Ter quase metade dos jovens que acabam o Ensino Secundário a não terem intenções de se candidatarem ao Ensino Superior é profundamente ilustrativo das consequências que é ter um Governo cuja orientação política se centra na absurda ideia de que quanto mais pobre estiver o país, e quanto menos educação da qualidade oferecer, melhor conseguirá sair da crise. É esta a visão ridícula e infantil de um governo que, em estado vegetativo, insiste em encaminhar-nos para o abismo.

Ter um Ensino Superior a que cada vez menos estudantes têm capacidade de aceder, ou que conseguindo aceder são obrigados a desistir ou a endividar-se, não traz nenhum contributo para o país. Alimenta o atraso de Portugal nos indicadores de educação e qualificação da população, reforça um défice democrático e o absoluto incumprimento da Constituição Portuguesa quando se refere que todos os estudantes, independentemente da sua origem, devem ter condições de acesso a todos os graus de Ensino, e alimenta o desastre económico, porque uma economia menos qualificada é obviamente uma economia com menos capacidade de se desenvolver, de crescer e de construir um país moderno, mais justo e que se levante da bancarrota a que a austeridade e a troika nos estão a condenar.

Este é um tempo que nos convoca. Um tempo de exigência para a Esquerda e o movimento social que não desiste dos serviços públicos, da educação e democracia. É o tempo de ligar todas as causas que afetam a nossa vida, confluindo-as no essencial da política: querem que paguemos uma dívida que é impagável dizendo-nos que só o podemos fazer empobrecendo, acabando com os serviços públicos e tendo mais desemprego. Lutar no próximo ano letivo pelo Ensino Superior Público será também e sobretudo lutar contra a escravatura da dívida que consolidou o seu processo de destruição e que nos condena à miséria.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo e investigador
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