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O regresso da educação física

Está em causa a valorização global da educação física no sistema educativo, em contraponto com o que aconteceu no governo anterior. Um bom sinal.

Muito se tem falado nos últimos dias sobre o regresso da educação física ao cálculo das médias de acesso ao ensino superior. E da discussão se faz luz. Fica às claras quem está de um lado e do outro e quais os argumentos e o seu calibre. Mas sem entrar na discussão sobre o sistema de seleção dos alunos para o acesso ao ensino superior público, que é tudo menos pacífico, com ou sem educação física, uma coisa é certa: está em causa a valorização global da educação física no sistema educativo, em contraponto com o que aconteceu no governo anterior. Um bom sinal.

No entanto, esta medida em nada resolve os problemas da educação física, acrescendo até a responsabilidade que nela passa a recair, sabendo-se que não está preparada para dar a devida resposta. Mais preocupa saber como é que a educação física vai entrar na vida das crianças do ensino básico, como se lhes incute o gosto pela prática desportiva, não sendo apenas mais uma disciplina para fazer. Saber também como é que se cria o hábito de praticar atividade física partindo de um horário que ocupa estas crianças das nove às cinco e meia da tarde. Como é que a escola pode aproveitar a oportunidade para ser a rua onde outras gerações brincaram, porque o desporto é também em grande parte fruição. Além de que já é do pouco tempo que sobra para pais e filhos o serem que sai a atividade extracurricular que compensa o desporto que falta nas longas horas de escola. Tempo e dinheiro, pois é tudo menos equitativo e democrático remeter para o orçamento familiar a oportunidade de praticar desporto, que até agora foi apenas de quem o pôde pagar.

Preocupa também saber como é que nos ciclos a seguir, podemos ter equipamento nas escolas ou a si acessível que acompanhe a complexificação da prática desportiva, a possibilidade de experimentar novas modalidades e  encontrar novos gostos, motivações e vocações. Também saber como se faz a ligação entre escolas e clubes que permita o desenvolvimento desses gostos e o brotar de novos talentos, começando a dar espaço aos melhores para crescerem desportivamente de forma saudável e equilibrada. Trabalhar os trinómios casa-escola-clube e pais-professores-treinadores, não competindo, mas cooperando. Estará o desporto escolar preparado para novos vôos, envolvendo trabalho sério e com continuidade no tempo com as federações, associações distritais e regionais e clubes das diversas modalidades?

E ainda mais tarde, como se avalia a educação física para que entre uma nota justa num sistema que tria os melhores alunos para determinado curso. Está a educação física e os seus professores preparados para o desafio? Vamos medir tempos, pesos, distâncias padronizados por tabelas como se todos os alunos fossem iguais ou vamos medir o desempenho individual e a melhoria de cada um, dando o exemplo que no desporto, mais importante do que superarmos os outros é superar-nos a nós próprios? Vamos por fim aproveitar para mostrar que, no desporto, tal como na vida, talento sem trabalho e esforço de pouco serve, reflectindo também isso nas tais notas que metem alunos fora ou dentro do ensino superior público? E será aqui, antes ou depois que damos a conhecer aos alunos o que é o olimpísmo e os seus valores? Quando se lança a discussão sobre o fenómeno desportivo, sobre porque compete o ser humano? Que impacto tem o desporto na sociedade, na cultura de cada país, na política nacional e internacional?

E já depois, mesmo tendo o acesso ao ensino superior garantido, interessa saber como é que se pode alargar o desporto universitário para níveis que permitam a prática desportiva para todos aqueles que a queiram continuar a ter. Interessa também saber como evitar que se percam atletas para os estudos ou estudos para os atletas, trabalhando por fim na protecção simultânea de duas actividades tão exigentes, sem que uma mate a outra.

Quanto a argumentos, nem agora, nem antes houve dos bons para desvalorizar a educação física no sistema educativo. O mais forte no último governo terá mesmo sido arranjar uma boa desculpa para despedir ou dispensar uns quantos milhares de professores de educação física, fazendo o ministro um bonito na cartilha austeritária de um governo onde nunca esteve protegido pelo conforto partidário. E de facto, como contribuintes, como pais e mães, como cidadãos de uma sociedade que fica mais pobre, o argumento fica longe de alcançar os mínimos olímpicos. Também é verdade que daqui se esperava pouco.

Mais surpreende quem defende este regresso da educação física ao cálculo da média ao ensino superior pelos mais insuficientes motivos, esquecendo-se do mais importante e que a todos engloba: o desporto é um pilar fundamental do desenvolvimento humano. É certo que está provado que mais desporto na carga horária melhora o desempenho às outras disciplinas. Sim, um corpo são, favorece uma mente sã, um corpo (bem) cansado, proporciona mais horas de sono, pede melhor alimentação e proporciona uma rotina praticamente impossível de atingir de outra forma. É certo também que nos dá saúde e que podemos argumentar que não é um custo, mas um investimento em menos gastos com saúde no futuro.

Mas o que se espera do desporto é muito mais do que isso. Espera-se que seja o veio de transmissão para a vida comum, a familiar, a profissional, a de participação na sociedade através de associações, de sindicatos ou até mesmo partidos ou outros movimentos, de princípios de vida como o saber ganhar e o saber perder, o desportivismo, a melhoria contínua, o reconhecimento do trabalho árduo, a perseverança, o trabalho em equipa, o respeito por regras e por adversários, numa expressão, a busca da excelência, individual e colectiva, não como atletas, mas como  seres humanos.

Os desafios são tremendos e (re)começam agora, quando se deixa de tratar a educação física como lixo, sabendo que amanhã já se estará a exigir tudo aquilo que nunca foi e que ainda não será possível dar. A educação física e o desporto escolar são peças de uma engrenagem maior e não funcionam sozinhas. O sistema desportivo português fica também à espera de uma nova oportunidade.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro do Ambiente, mestrando em Gestão de Desporto e empresário.
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