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O pico do caos

Há que ter a coragem política de dotar as urgências de Torres Novas e Tomar de outras capacidades e competências para responder às necessidades da população e prestar os melhores cuidados de saúde.

Estamos a entrar no período mais intenso da gripe. Foram accionados os planos de contingência, são anunciados reforços de camas e de alguns profissionais, intensifica-se a campanha informativa junto dos utentes para recorrerem aos centros de saúde e à Linha Saúde 24 antes de se dirigirem aos serviços de urgência. Tudo certo.

Mas será isto suficiente? Será isto suficiente para garantir o acesso aos cuidados de saúde? Será suficiente para o fim ou pelo menos para reduzir as intermináveis horas de espera nas urgências?

É óbvio que o inverno traz a gripe e que existem momentos em que aumentam as necessidades de resposta por parte do Serviço Nacional de Saúde. São situações pontuais e excepcionais. Não são a norma. Por isso mesmo existem os chamados “planos de contingência” e por isso mesmo se exige que as medidas sejam tomadas atempadamente. Todos os anos se repete, com maior ou menor intensidade e o Ministério da Saúde sabe disso melhor que ninguém.

No que diz respeito à nossa região, há que falar daquilo que é a norma nos serviços de urgência do Centro Hospitalar do Médio Tejo e, infelizmente, a norma é muito má e sempre apelidada de caos no que diz respeito à Urgência Médico-Cirúrgica de Abrantes. Não é devido à gripe que o serviço de urgência funciona mal, com longas esperas, com doentes amontoados nos corredores, com profissionais extenuados sem conseguirem responder às solicitações, com aparelhos (como o TAC) que avariam constantemente… Não é devido à gripe que os doentes que foram internados ficam nos corredores, dias a fio, porque não há camas…

E ali ficam, dia e noite, assistindo ao desespero uns dos outros, tantos e tantas com idade muito avançada, desprotegidos, fragilizados, sozinhos. Todos esperam, esperam e sofrem.

Quando toca o alarme da emergência os profissionais acorrem a estas situações, como devem fazer, e nos corredores acentua-se o sentimento de abandono… e até há quem diga “vão acudir a quem está pior que nós…”.

É isto e muito mais o que se passa na urgência de Abrantes. É isto e muito mais que toda a gente sabe que acontece. E é preciso dizer que as pessoas não podem ser assim tratadas!

Bem sabemos que vão ser investidos 5 milhões de euros nas instalações da urgência do hospital de Abrantes. Ainda bem. Mas será esta a solução? Para além do tempo que vai decorrer até as obras estarem feitas e os constrangimentos durante a sua execução, há que não continuar a iludir o problema e ter a coragem política de dotar as urgências de Torres Novas e Tomar de outras capacidades e competências para responder às necessidades da população e prestar os melhores cuidados de saúde.

O Serviço Nacional de Saúde – SNS, esse grande pilar da Democracia portuguesa, foi atacado durante o período da troika e do governo PSD/CDS de uma forma brutal. Esses tempos ainda estão na nossa memória colectiva e ainda lembramos o inverno de 2014/2015 e a situação ultra-caótica nas urgências, com mortes de pessoas antes de serem vistas por um médico e com o então secretário de estado da saúde, Leal da Costa (PSD) a desvalorizar a situação e a dizer que se as pessoas estavam em macas na urgência era sinal que havia macas e outros disparates.

Não se confinam a este período as políticas contra o SNS, outras medidas, gravosas, foram tomadas por governos anteriores, quer do PSD, quer do PS.

No passado sábado, 6 de Janeiro, em Coimbra, teve lugar uma iniciativa que marcará a vida política e em particular o Serviço Nacional de Saúde. António Arnaut e João Semedo apresentaram um livro – “Salvar o SNS – uma nova Lei de Bases da Saúde para defender a Democracia”. Neste livro, prefaciado por D. Januário Torgal Ferreira é feito o diagnóstico da actual situação, são apresentadas as medidas que introduziram as alterações no SNS e as suas consequências, é apontado o “nervo” da questão: “os vasos comunicantes com o sector privado” e a “sangria pelos privados na sua maior riqueza: os seus profissionais”.

Está lançado o debate, incluindo um texto de projecto para a alteração da Lei de Bases da Saúde, mas está também lançado o repto à responsabilidade política de todos e todas, particularmente dos partidos que integram a maioria parlamentar – PS, BE e PCP (a direita nunca gostou do SNS) de promover todas as medidas para garantir que o Serviço Nacional de Saúde continuará na senda dos princípios e valores da sua fundação em 1978 – um serviço universal, geral e gratuito.

Que também em relação ao Centro Hospitalar do Médio Tejo seja possível encontrar o caminho da transformação que permita responder com qualidade às necessidades em matéria de saúde das populações, garantindo os princípios e valores do SNS. Responsabilidade do Governo, mas também responsabilidade dos e das autarcas na exigência de urgências de nível superior para os hospitais de Tomar e Torres Novas, a bem de todos os concelhos.

Artigo publicado em mediotejo.net a 10 de janeiro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Vereadora da Câmara de Torres Novas. Animadora social.
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