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O labirinto traumático de Passos Coelho

Passos Coelho traumatizou o país e, ao que parece, está convencido de que o trauma causou perda de memória generalizada.

Só isso pode explicar a desfaçatez ao afirmar que o projeto deste Governo é uma "sociedade mais pobre e injusta". Esta efervescente ideia não é de hoje. Em junho do ano passado, o então primeiro-ministro assegurava que os mais pobres não tinham sido afetados por cortes nenhuns.

Os números contam outra realidade. Nos últimos cinco anos, 200 mil pessoas perderam o RSI. A maioria dos beneficiários são menores de idade, e os que permaneceram viram o valor por criança ser reduzido de 90euro para 50euro. Para além das restantes medidas de austeridade, este corte ajuda a explicar porque é que a taxa de pobreza infantil aumentou substancialmente e afeta, segundo a Unicef, uma em cada três crianças. Nos idosos, para além do congelamento das pensões, 70 mil perderam o acesso ao Complemento Solidário para Idosos. Em 2014, a taxa de pobreza nesta camada etária era de 17% enquanto que em 2012 tinha sido de 14,7%. Ao todo, segundo o estudo coordenado por Farinha Rodrigues, são mais 116 mil pessoas na pobreza desde 2009 e os 10% mais pobres perderam 24% do seu rendimento.

O atual Governo não foi tão longe como deveria. Mas, um ano depois, a maioria parlamentar tem resultados para mostrar: eliminação da sobretaxa para a larga maioria dos contribuintes, aumento dos apoios sociais, alargamento da tarifa social da energia, aumento do salário mínimo, proibição de penhora das moradas de família, atualização das pensões, devolução dos salários da Função Pública. Ao todo, e já descontado os impostos indiretos que aumentaram, foram mais de 500 milhões devolvidos em rendimentos.

O que se discute agora, e talvez seja isso que tanto desnorteia Passos Coelho, é se a forma mais eficaz de aumentar os rendimentos dos idosos é através de um aumento extraordinário das pensões mais baixas ou de outra medida. A discussão é saudável e bem-vinda.

Passos Coelho, quando era primeiro-ministro, achou que o salário mínimo já era alto o suficiente para pagar uma sobretaxa de IRS de 3,5%. Que um funcionário público que ganhasse 600 euros já podia bem aguentar com um corte do seu salário. E só não cortou definitivamente pensões porque o Tribunal Constitucional não deixou. Diz-se agora chocado com a possibilidade de uma pequena taxa sobre património imobiliário milionário, uma medida que ele próprio defendeu no passado como forma de combater as desigualdades, mas que nunca tornou efetiva.

Passos Coelho lamuria-se agora pelos pobres dos ricos, ele que governou partindo do princípio de que os pobres eram tão ricos que podiam perder parte dos seus salários e das suas pensões. A vida tem destas coisas.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 4 de outubro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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