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Nunca é tarde…

Nunca é tarde para tudo fazer no sentido de garantir a possibilidade a qualquer pessoa de exercer um direito fundamental. E na questão da Morte Assistida, é tão-somente disso que se trata.

Na edição do JM [Jornal da Madeira] do passado dia 11 foi publicada a questão diária “Qual a intenção de trazer agora o tema da eutanásia para a opinião pública?” bem como foi publicado o editorial do Diretor Marsílio Aguiar com o título “Tema da eutanásia parece fora de tempo”.

Subjacente a estas duas publicações é por demais evidente uma notória aversão a que esta temática seja debatida, referendada e implementada. Lamento profundamente que assim seja. Entendo que se existem assuntos que carecem presentemente de ser alvo de tomada de decisões concretas, eficazes e exequíveis, este da eutanásia e da morte assistida é seguramente um deles. Não resisto a responder à questão acima enunciada dizendo que a intenção é possibilitar, de uma vez por todas, a qualquer doente terminal em estado de permanente e atroz sofrimento, sem qualquer esperança ou hipótese de cura, a opção pessoal de por fim à sua vida, fazendo-o com a mais adequada assistência médica. Sendo esta a real e verdadeira intenção, pergunto agora: é fora de tempo legislar sobre esta matéria? E quando é que será “dentro” de tempo? Quando todos aqueles que agora, gozando a plenitude da sua saúde, se insurgem contra a discussão deste tema, estiverem numa situação de doença terminal e irreversível, causadora de um sofrimento insuportável, quiserem exercer este direito e não o poderem fazer por ser legalmente proibido? Não, caro leitor, na minha ótica, estas questões não estão fora de tempo. Bem pelo contrário, nunca é tarde para tudo fazer no sentido de garantir a possibilidade a qualquer pessoa de exercer um direito fundamental. E nesta questão da Morte Assistida, é tão-somente disso que se trata: da consagração do direito de uma pessoa, a seu pedido, sublinho, poder antecipar a sua morte.

Também entendo que com a aprovação legal e implementação da Morte Assistida não se está a violar o preceito constitucional que determina no seu artigo 24º nº1 o seguinte: "A vida humana é inviolável."

Assim, tendo em conta este preceito constitucional, todo aquele que atentar contra a vida humana, seja ela qual for, estará a cometer um crime, não será assim?

Posto isto, interrogo-me sobre qual é então a moldura penal prevista para um suicida falhado (já que é alguém que atentou contra uma vida humana, neste caso a sua)?

A dúvida que me assola, é a seguinte:

A inviolabilidade da vida humana, estende-se a todos, incluindo os detentores da própria vida? Por outras palavras, temos ou não o direito de dispor da nossa própria vida, como bem entendermos, mesmo que o propósito seja o de lhe pôr termo?

Se a restrição abranger todas as situações, independentemente de quem as cometer, então a tentativa de suicídio deve ser penalizada.

Que penalização deverá assim sofrer o suicida falhado? A prisão?

Então, uma pessoa que na análise interior que faz da sua vida, já a considera tão adversa ao ponto de a rejeitar, vai ser agora enfiada num estabelecimento prisional? É suposto que qualquer penalização, ou sanção, tenha o objetivo de evitar o futuro comportamento que penaliza, não é assim?

Sinceramente, não estou a ver um suicida falhado, enclausurado numa cela, passar a ter motivos que justifiquem o desejo de prolongar a vida. Aliás, infelizmente, não são inéditos os suicídios nas prisões. Portanto, esta penalização é totalmente inadequada.

Então, que sanção adotar? A não ser que a tentativa de suicídio não seja considerada crime. Neste pressuposto, o suicida deve ser alvo de um acompanhamento e tratamento psiquiátricos profundos.
No caso de a lógica prevalecente, ser a penalizadora, outra interrogação se levanta: se o suicídio é praticado com sucesso, quem penalizar? O autor material, por razões óbvias, não o poderá ser. Mas em todos os crimes, é vulgar existir a figura do autor material e também a do autor moral. Por vezes os suicidas deixam cartas escritas com a explicação dos motivos do seu ato extremo. Invocam, entre outras, motivações passionais ou razões de intensa solidão. Reportando-nos a estes dois exemplos, os autores morais seriam respetivamente a pessoa alvo da paixão/amor do suicida, e a sociedade no seu todo que não integrou o suicida no seu seio, não será assim? Que penalização adotar então nestes casos?

Reconheço, que estas questões à primeira vista parecem ridículas, mas são derivadas do facto daquele preceito constitucional ser ambíguo, no tocante à delimitação das situações que abrange. No entanto parece claro que o mesmo tem por fim determinar a inviolabilidade da vida humana por terceiros contra a vontade do próprio. Nas restantes situações, nas quais se enquadra a Interrupção Voluntária da Gravidez, o Suicídio Falhado, a Eutanásia e a Morte Assistida, não é líquido que o espírito do legislador constituinte as tivesse considerado aquando da redação do artigo acima referido.

Posto isto, termino dizendo e reiterando que nunca é tarde para politicamente se agir no sentido de criar as condições para um fim de vida com melhor qualidade e mais digno para toda e qualquer pessoa…!!!

Artigo publicado no “Jornal da Madeira”em 15 de fevereiro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Deputado na Assembleia regional da Madeira, Presidente da Assembleia Municipal do Funchal. Professor.
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