Está aqui

Novidades do Atlântico

No passado domingo decorreram as 11ª Eleições Legislativas Regionais, marcadas por vários fenómenos que merecem uma análise cuidada.

O PS, há 20 anos no poder, 16 com maioria absoluta, obteve 43266 votos, 46,43%, e elegeu 30 deputados, segurando a maioria absoluta por uma margem ténue de apenas 2 deputados.

O PSD, por sua vez, há precisamente 20 anos na oposição, continua a viver mal com a orfandade de Mota Amaral. Perdeu 1 deputado e 9782 votos. Se o seu líder, Duarte Freitas, se conseguiu safar do prémio de pior resultado de sempre, levou da noite de domingo o segundo pior resultado do PSD em regionais.

A campanha do PSD merece um reparo especial por uma outra particularidade. Em 2012, Berta Cabral, então líder regional laranja, pediu ao então primeiro-ministro Passos Coelho para não aterrar nos Açores, passando toda a campanha a demarcar-se das políticas de austeridade do Governo da República - que, curiosamente, passados poucos meses viria a integrar com a pasta da secretaria de Estado da Defesa. Exatamente 4 anos depois, Duarte Freitas renova o pedido ao agora líder da oposição Passos Coelho. Para os sociais-democratas açorianos, independentemente do cargo ou estatuto, Passos é um ativo tóxico que convém manter em quarentena em tempo de eleições.

O CDS cantou vitória. Mas, apesar da externalização da alegria, a noite de domingo deixou um intenso sabor amargo a Assunção Cristas. Elegeram 4 deputados, 1 nos círculos da Terceira – onde o score eleitoral regista uma quebra permanente há três eleições - e São Jorge e 2 pelo Círculo de Compensação. Em São Miguel, onde a líder apostou pessoalmente, o CDS saiu completamente derrotado. A Ana Afonso, escolha direta de Cristas para encabeçar o maior círculo açoriano, que não teve problemas em implodir com a estrutura de ilha para impor a sua candidata, nem a ajuda na campanha do mais recente assessor de comunicação do CDS Camilo Lourenço lhe valeu.

Fica a dúvida no ar se o momento zen desta campanha vem da cabeça do colunista de assuntos económicos. A poucos dias do escrutínio, Ana Afonso decidiu publicar uma incomum mensagem na sua página na rede social facebook: “O grande dia aproxima-se e chegou a altura de contar espingardas. Preciso do vosso voto no dia 16 de outubro. Preciso que votem no CDS-PP. Preciso que me confirmem através de mensagem privada que vão votar no CDS-PP”. Perante o escárnio e a polémica, a publicação acabaria por ser eliminada. Mas, já sabe como é, para o bem e para o mal, o que entra na internet fica gravado para todo o sempre.

O Bloco de Esquerda registou o seu melhor resultado de sempre em eleições regionais, 3410 votos, 3,66%, sendo um dos grandes vencedores da noite eleitoral. Com cerca de mais 1000 votos, em relação a 2012, é o partido que mais cresce em votos e percentagem, elegendo 2 deputados: Zuraida Soares diretamente por São Miguel, o que consegue pela primeira vez, e Paulo Mendes pelo Círculo de Compensação. Nos círculos de Santa Maria, São Jorge, Faial e Flores também consegue os seus melhores resultados de sempre, o que abre boas perspetivas para o futuro e demonstra que se solidificou definitivamente na cena política do arquipélago.

O PCP teve um resultado notável nas Flores, onde ganha o círculo eleitoral e elege o seu único deputado, mas, como o próprio partido sublinha, não consegue cumprir o objetivo de crescer em número de mandatos. Aníbal Pires, coordenador da CDU Açores, ficou de fora do parlamento açoriano.

Esta campanha contou com uma outra singularidade, ou, se quisermos, com um elefante no meio do Atlântico. Teve uma única sondagem, que, por esse mesmo estatuto, de ser a única, mas também por ter sido publicada num jornal de referência, serviu de base à análise política e narrativa em torno das diversas candidaturas. Deixando de lado a discussão sobre as originalidades da ficha técnica, sublinho apenas que não acertou num único resultado. Também não era fácil. A título de exemplo, atribuía 0% ao Bloco em 7 círculos, não acautelando sequer a hipótese de os candidatos votarem em si. Fica a nota e o convite à prudência no futuro.

Os Açores têm grandes desafios pela frente: combater o desemprego estrutural e resgatar os jovens da precariedade e da emigração; ultrapassar a crise da lavoura e das pescas; recuperar a cogestão dos seus mares para a pirataria não se impor na extração das riquezas; rentabilizar a sua posição geoestratégica; aprofundar a autonomia. Abraçar as soluções certas estão ao seu alcance. Depende somente de vontade política.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 21 de outubro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Sociólogo.
Comentários (1)