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Ninguém quer ser PIGS

O governo português foge da Grécia como o diabo da cruz, numa desesperada tentativa de arrancar o P ao malfadado acrónimo - PIGS - que decidiram impor aos países do sul da Europa. Mas é errado fugir, ignorar a essência dos problemas e, sobretudo, a irresponsabilidade das soluções.

A sustentabilidade da economia portuguesa, tal como da grega, não depende do cumprimento do Pacto de Estabilidade, que afinal não garante estabilidade, nem condições de vida e muito menos convergência europeia. O Pacto que impõe, erradamente, iguais critérios para todos os países, afinal só obriga alguns ao seu cumprimento.

A União Europeia, promessa de melhores condições de vida para todos, prova agora ter sido criada em bases erradas. A mesma fórmula usada pelo FMI e pelo Banco Mundial nos anos 80 e 90 para "neoliberalizar" os países da América Latina é agora aplicada aos PIGS como condição necessária de desenvolvimento.

Assim como Portugal, a Grécia é intimada a aumentar o valor do IVA, reduzir salários, congelar despesa social e diminuir o investimento público. Um plano para "aumentar a competitividade e reduzir a dívida". Um plano que não visa mais do que a redução do "custo do trabalho" e o desmantelamento do Estado social.

Mas estas políticas não contribuem necessariamente para a diminuição do défice, antes eliminam a parte do défice que faz sentido: a que protege os cidadãos e dinamiza a economia. Por outro lado, ao retirar poder de compra aos trabalhadores, o Estado perde receita de impostos.

Mas se estas políticas não contribuem para a diminuição do défice e ainda aumentam o desemprego, enfraquecem o Estado social e retiram poder de negociação aos trabalhadores e aos Estados - e se esses são, teoricamente, os objectivos da União Europeia -, porquê insistir? Haverá quem ganhe com esta chantagem? Haverá quem, podendo reverter a situação, escolha não o fazer? Certamente.

Quanto maior é o endividamento de um país, maior a sua suposta incapacidade de cumprimento, logo, mais altas as taxas de juro exigidas pelos compradores de títulos de dívida pública. Ao especular sobre a possível falência de um Estado, os especuladores ganham, muito. E quem são estes "investidores"? No caso da Grécia, por exemplo, é o Deutsche Bank (alemão) que detém grande parte da dívida pública daquele país.

À Alemanha, para quem as exportações são essenciais, interessa o endividamento português e a mão-de-obra barata. São também os baixos salários e a procura dos países da Europa do Sul que mantêm a Alemanha no lugar de grande potência que hoje ocupa. À Alemanha não interessa que deixemos de fazer parte da UE, apenas que nos mantenhamos endividados e sem possibilidade de negociação.

A existência de PIGS, de uma Europa de segunda, é tão útil para as grandes potências europeias como a existência de países de terceiro mundo é útil para os países ricos do hemisfério Norte.

Mas a União Europeia tem instituições, em tese independentes dos interesses nacionais, cujo objectivo deveria ser apoiar os Estados em dificuldades e promover o dinamismo económico no espaço europeu.

O Banco Central Europeu, que controla a política monetária, empresta dinheiro a bancos privados a uma taxa de 1%. Estes bancos emprestam depois aos Estados, cobrando-lhes cerca de 7% (no caso Grécia), a taxa definida pelas agências privadas de rating. Não é difícil perceber as consequências: especulação para os mercados financeiros e custos da dívida insuportáveis para os países. Mas as regras da União Europeia - as do Pacto de Estabilidade e Crescimento - não permitem que o BCE empreste directamente aos Estados, apenas aos bancos privados.

É urgente suspender o Pacto de Estabilidade, acabar com o estrangulamento dos países e com o favorecimento do sector financeiro privado. É urgente transformar a União Europeia numa instituição democrática e solidária, começando por:

  1. Taxar as transacções financeiras especulativas a nível europeu e fechar os paraísos fiscais;

  2. Criar uma agência pública de rating que liberte os Estados da chantagem de empresas financeiras que já mostraram serem subordinadas e inúteis para avaliar níveis de risco;

  3. Emitir dívida europeia, permitindo o acesso dos países em dificuldades ao crédito a taxas de juro razoáveis e acabar com a especulação sobre as dívidas dos Estados.

Vivemos um momento de definição. Ceder agora é aceitar uma Europa amnésica, que prometeu regulação e só pratica austeridade.

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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