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A luta contra a diabetes: desafios da contemporaneidade

É preciso repensar a organização da prestação de cuidados de saúde que, na diabetes e em outras doenças crónicas, requer um acompanhamento multidisciplinar e de proximidade.

Na edição da semana passada da revista científica “The Lancet” saíram os resultados de 2017 do estudo Global Burden of Disease (GBD). Estudo que reflete a realidade da saúde a nível mundial através de uma análise exaustiva a 195 países e progresso atual face às diretivas para 2030 lançadas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas.

E as tendências revelam-se alarmantes. O mundo como o conhecemos mudou, está mais frágil e fragmentado. As taxas de mortalidade prematura na população adulta em vez de baixarem, estagnaram, sendo as Doenças Não Transmissíveis (DNT) a sua principal causa. As DNT, das quais a diabetes é o exemplo mais expressivo, foram responsáveis por 73% das mortes a nível mundial em 2017. O número total de mortes causadas por DNT aumentou, em 10 anos, cerca de 25%. Mais de um milhão de mortes foi por diabetes tipo 2 e meio milhão de mortes por doença renal crónica derivada da diabetes e mais de metade de todas as mortes são atribuídas a quatro fatores de risco - hipertensão arterial, tabagismo, diabetes e excesso de peso ou obesidade.

Este GBD 2017 é um alerta para a saúde global, desafiando a Organização Mundial da Saúde e os governos nacionais a redobrarem os esforços para manter e avançar no estado da saúde mundial.

Em Portugal, cerca de 1 milhão de pessoas tem diabetes, 200 pessoas são diagnosticadas por dia. Todos os dias morrem 12 pessoas por causa da diabetes, 500 são internadas e 3 sofrem uma amputação.

Temos números avassaladores sobre a incidência da diabetes, sobre as suas complicações e consequências para o quotidiano de quem vive com a doença incluindo os familiares, que são chamados a ter um papel fundamental no seu acompanhamento. Números que não parecem ter correspondência com o nível de consciência de uma sociedade que se habitou a viver e a olhar para a diabetes com displicência. A diabetes, sendo uma doença silenciosa pela sua lenta progressão, é também uma doença silenciada, pelas pessoas que não a valorizam, pelos profissionais que valorizam essencialmente as doenças agudas e pelos políticos que a desconsideram nas suas prioridades, o que a torna largamente invisível.

É certo que hoje sabemos muito mais da diabetes, que todos os dias aparecem novos medicamentos, mas as respostas sociais e políticas são muito insuficientes para pôr um travão na escalada desta doença. As escolas, as autarquias, a segurança social, os locais de trabalho e a sociedade civil organizada devem ter um papel no que respeita ao acesso à alimentação saudável, à prática de atividade física, na educação, na acessibilidade para o acompanhamento, no apoio social, entre outras vertentes do bem-estar físico e emocional. Terá que competir às estruturas locais, coordenadas entre as autarquias e os agrupamentos dos centros de saúde, acompanhar a evolução do estado de saúde da população, centrando as suas políticas nas pessoas e no seu quotidiano, mas também no seu núcleo familiar e na sua comunidade de pertença.

É preciso repensar a organização da prestação de cuidados de saúde que, na diabetes e em outras doenças crónicas, requer um acompanhamento multidisciplinar e de proximidade. Aliás, foi essa a principal conclusão a que chegaram os profissionais de saúde inquiridos no âmbito do estudo nacional DAWN2 – atitudes, desejos e necessidades na diabetes, recentemente divulgado pela Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP): 9 em cada 10 profissionais de saúde consideram que os cuidados de saúde em Portugal “não estão devidamente organizados para o acompanhamento das pessoas com diabetes”. A formação dos profissionais e a organização atual do SNS estão viradas para a medicina de urgência e não para a medicina necessárias às DNT, a da prevenção, acompanhamento e suporte.

A diabetes por ser exigente implica na sua gestão diária: o controlo da glicemia e da pressão arterial, a perda de peso, a manutenção da atividade física, a toma regular da medicação, o autocontrolo, os cuidados aos pés… ou seja um emprego a tempo inteiro! A compreensão desta complexidade é a barreira às decisões que se impõem. Consultas multidisciplinares específicas, educação estruturada, grupos de interajuda, acessibilidade às especialidades. Um novo paradigma, o paradigma da medicina do século XXI.

Artigo publicado em expresso.pt a 14 de novembro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Médico, presidente da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), dirigente do Bloco de Esquerda
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