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A lenta agonia dos Palestinianos

Faz alguma confusão a quase cegueira (ingénua ou consciente) de tantos analistas sobre a estratégia, há tantos anos perseguida e com grande eficácia pelo Estado de Israel.

E que consiste em ir concretizando, passo a passo, colonato a colonato, anexação a anexação de território, bombardeamento a bombardeamento dos territórios ocupados, prisão a prisão (e são milhares os palestinianos nas penitenciárias israelitas), o sonho milenar do Eretz Israel, o grande Israel dos tempos bíblicos, o Estado Judeu moderno em todo o território do que foi a Palestina dominada pelos britânicos após a I Guerra Mundial. Sempre é bom ver a evolução dos mapas desde 1920.

Alguém realmente acredita que os responsáveis políticos do Estado Judeu de Israel, como Netanyahu orgulhosamente o proclama, neste país onde Estado e Forças Armadas compostas por quase todos os adultos judeus entre os 18 e 50 anos se confundem, uma verdadeira Esparta moderníssima, pretendem permitir a existência de um Estado palestiniano?

O Estado de Israel foi erigido a ferro e fogo pelos sabras guerrilheiros (na época qualificados de terroristas) contra o império britânico, pelos pioneiros nos kibutz, enfim pelo crescente movimento sionista ao longo do século XX, que conquistou seu sonho após a tragédia que foram a II Guerra Mundial e o Holocausto. De 1947 para cá, após o reconhecimento da ONU e de sua solução de divisão territorial no Estado de Israel e outro território destinado ao futuro Estado palestiniano, frente a vizinhos historicamente hostis, o que se vê é uma guerra mais ou menos permanente, mais ou menos oficial, por conquista de território, limpeza e modificação dos ratios étnicos e a construção de uma formidável máquina de guerra, de um Estado militarizado, mas com instituições democráticas para os seus cidadãos judeus. Tudo isto com extraordinário empenho de seus novos cidadãos, em geral com alto nível de educação e empreendedorismo e o não menos essencial apoio político e material do mundo ocidental, em especial dos governos e da sociedade norte-americanas e de grande parte dos judeus integrados nos mais diversos países pelo mundo afora.

Pobre povo palestiniano, originário dos filisteus e outras tribos que outrora viviam nos reinos de Judá e Israel e que calhou continuar por lá viver, sempre em estado tribal e dominado por outros Estados ao longo dos séculos até ao surgimento do Estado de Israel. Caiu-lhes a tempestade perfeita e já a partir de 1947 foram sendo enxotados às centenas de milhares para países vizinhos, Líbano, Jordânia, para a Faixa de Gaza, zona mais pobre da Palestina. Os mais afortunados, uma minoria, conseguiram emigrar para o mundo ocidental.

Reconhecido formalmente como Estado pela ONU desde2012, o dito Estado palestiniano é tudo menos um Estado, não passa de bantustões ocupados militarmente e sufocado de todas as maneiras por Israel, a real autoridade. Que suporta, mas torpedeia quotidiamente, a existência de autoridades formais próprias nestes territórios, para se manter o joguinho de faz-de-conta do diálogo.

Apesar da retórica de mediação, a posição do governo Trump é claramente favorável ao sonho de seu aliado, quotidianamente concretizado, do Grande Israel. Nisto consiste a simbologia da mudança da capital para Jerusalém, apesar do que ele diga para atenuar o facto. E a posição real de quase todo o resto do mundo ocidental é ir aceitando o status quo, que só tem mudado a favor da estratégia israelita.

A Europa critica, a ONU reclama, as nações de maioria muçulmana, algumas das quais foram humilhadas militarmente por Israel em 47/50, 67 e 73, esbravejam e batem o pé, mas fazem o quê, de concreto. Cancelam os contrato com os fornecedores de armas, aviões e outros bens norte-americanos? Cortam relações diplomáticas? Retaliam? Nada disso. Ou quase nada disso.

Pobre povo palestiniano, por quem quase todos sentimos compaixão. Como querem criar um Estado, sem terem forjado um exército, instituições credíveis e aliados dispostos a passos arriscados, em especial a desafiar os poderosos do mundo.

Se os curdos, que são 30 milhões, têm um exército de combativos pershmegas, uma extensa base territorial contínua ou quase em 4 países, potencial económico e força cultural assinaláveis, instituições sólidas no Curdistão iraquiano, não conseguem criar seu Estado, o que dirá o frágil povo palestiniano, ainda que forte e admirável na sua dura resistência a desaparecer ou diluir-se em outras nações.

E assim caminha o mundo que nos tocou viver.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro e dirigente associativo do movimento imigrante. Fundador da Casa do Brasil de Lisboa em 1992
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