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Itália mais longe de “qualquer coisa de esquerda”

Realizou-se este domingo a primeira volta das eleições primárias da coligação Itália Bene Comune, de centro esquerda. Embora ainda esteja por definir o nome de quem encabeçará a coligação, é já certo que o Partido Democrático domina em toda a linha.

Realizou-se este domingo a primeira volta das eleições primárias da coligação Itália Bene Comune, de centro esquerda. Aberto aos cidadãos e às cidadãs que subscrevam o manifesto da coligação, o ato mobilizou cerca de 4 milhões de pessoas. Perante o iminente colapso do partido de Berlusconi e num cenário de fragmentação da federação dos partidos que o apoiaram, a segunda volta desta eleição apontará um sério candidato ao lugar de primeiro ministro. Mesmo que atípico, o rotativismo do centrão está longe de quebrar.

O vencedor da jornada, com 44%, foi Pier Luigi Bersani, secretário geral do Partido Democrático. Defensor da “política séria e responsável” e praticante da habitual moleza do centro esquerda europeu, Bersani é líder da aposição parlamentar e, ao mesmo tempo, apoiante da política de austeridade do atual “governo técnico” de Mário Monti.

O segundo candidato mais votado, com cerca de 36% das preferências, foi Marco Renzi, jovem presidente da Câmara de Florença. Com uma carreira política precoce, que despontou na Democracia Cristã, e dono de uma fortuna ganha num concurso televisivo, Renzi veste a pele do contestatário às velhas gerações que dominam a política italiana e o partido Democrático onde agora milita. O seu programa também não desafina da pauta austeritária.

O terceiro mais votado, com 15%, foi Nichi Vendola, da SEL (Esquerda Ecologia e Liberdade). Com a voz mais à esquerda desta partida, a única que questiona a austeridade, Vendola vê adiado o seu sonho (e aposta pessoal dos últimos anos) de conciliar o inconciliável e liderar a esquerda italiana. Mas nem tudo é prejuízo para este ex-comunista tido como próximo de Bertinotti, pois o seu partido, cuja residual expressão eleitoral é muito inferior à popularidade do seu líder, irá entrar no parlamento e, quem sabe, no governo.

Este processo de primárias teve outro pormenor com algum interesse: o posicionamento do que resta da esquerda extra parlamentar, nomeadamente dos dois Partidos Comunistas. Apesar de nos três últimos anos terem estado reunidos numa frente que pretendia reforçar e ampliar a sua voz, a Refundação Comunista e o PdCI voltaram a não encontrar uma linha de entendimento sobre as eleições legislativas de 2013.

A Refundação tem vindo a defender a construção de um sujeito político de alternativa, na linha da esquerda alternativa da Europa, crítica de Monti e da sua austeridade. Foi uma escolha tardia, muito motivada pelo apoio do centro esquerda ao primeiro ministro da banca, e muito dificultada por uma atitude um pouco dúplice em relação ao partido que está mais próximo do poder. Veremos em que praça irão desembocar.

Já o PdCI optou por uma linha pragmática e decidiu apoiar, já com a corrida bem lançada, a candidatura de Vendola – “nosso companheiro em tantas lutas do trabalho”–, deixando desde logo claro que, numa segunda volta, estaria com Bersani. Além de contornar as agruras do sistema eleitoral italiano e aumentar a possibilidade de voltar ao parlamento, este partido não resistiu a dar (mais) um “chega para lá” ao seu meio-irmão comunista.

Embora ainda esteja por definir o nome de quem encabeçará a coligação, é já certo que o Partido Democrático, resultado da aliança entre a terceira diluição da ala social-democrata do velho PCI com a ala regenerada da velha Democracia Cristã, domina em toda a linha. Fica mais longe o velho desejo de Nani Moretti (cuja candidata favorita obteve 2,6%) de um primeiro-ministro que diga “qualquer coisa de esquerda”.

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Sobre o/a autor(a)

Enfermeiro, doutorando em Saúde Internacional no IHMT/NOVA. Deputado municipal em Sintra, eleito pelo Bloco de Esquerda
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