A Grécia e Portugal: os povos contra o terrorismo financeiro

porFrancisco Louçã

26 de janeiro 2012 - 15:15
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A rejeição da troika e do seu governo é o ponto de partida das alianças necessárias para vencer a austeridade.

O arrastamento das negociações entre o governo grego e os embaixadores da finança demonstra duas coisas.

Em primeiro lugar, que a Grécia está à beira da bancarrota e que essa chantagem tem sempre servido para agravar as medidas de austeridade, que criam novos problemas e uma recessão histórica.

Em segundo lugar, que a Grécia precisa de uma anulação muito substancial da dívida. Não esqueço, por isso, a dívida detida pelo Banco Central Europeu, que se tem excluído dessa obrigação, apesar de ser atualmente um dos maiores credores do Estado grego. O BCE deve ser o primeiro banco a cortar a dívida. Só essa anulação da dívida e a recusa da austeridade permitirá a recuperação da economia e do emprego. Pelo contrário, a degradação dos salários e das pensões e a destruição da procura interna conduzirá inevitavelmente ao arrastamento da crise.

A solidariedade com o povo grego, vítima da troika e da coligação que governa, deve por isso ser clara nas questões em que todas as vítimas da troika têm certeza: só o fim da austeridade e a anulação de grande parte da dívida permitirá uma saída. De resto, não cabe às esquerdas de outros países deliberar sobre a condução política da luta social na Grécia, tanto mais que todas as sugestões ou intimações aos trabalhadores gregos, a que hoje se assiste em tantos outros países, se baseiam sempre em conhecimento superficial e doutrinário. Nada pode substituir o conhecimento concreto da situação concreta.

Assim, acho pedante a conjuração de nacionalistas de todas as cores que têm uma resposta definitiva para a Grécia: saída do euro. Ora, essa ideia está longe de criar unanimidade ou sequer algum consenso entre as esquerdas gregas. Creio mesmo que a maior parte das forças revolucionárias e socialistas de esquerda rejeitam tal ideia e não vejo nenhuma grande força política de esquerda a propô-la como tema central da sua campanha eleitoral ou da sua ação na rua. Em todo o caso, a ideia merece ser discutida, dada a dimensão da crise e a dificuldade das alternativas na situação presente, mas é certamente algo que só os protagonistas da luta social na Grécia podem avaliar.

Mas é por isso ainda mais estranho que haja quem cite um economista grego, Costas Lapavitsas, que defende essa alternativa, como fonte de autoridade para explicar como seria útil que a esquerda portuguesa também adotasse esse programa da saída do euro. O problema é que esses citadores não leram bem as citações que citam. Porque se tivessem estudado o relatório que Lapavitsas escreveu com alguns seus colegas, teriam encontrado alguns dos problemas desta opção, identificados com clareza.

Lapavitsas começa por registar que “o resultado [da saída do euro] será provavelmente o atrofiamento dos bancos gregos ao longo do tempo” (página 7 de “Breaking up? A Route Out of the Eurozone Crisis”, Costas Lapavitsas et al., Novembro 2011, RMF Occasional Paper). As consequências da imposição da nova moeda grega, o dracma, que seria depreciado em 50% (pg. 77), seriam “o risco de inflação, se a monetarização (da dívida) continuar por muito tempo, especialmente considerando o aumento do preço dos bens importados dada a depreciação”, como sejam os “preços dos carros, viagens aos estrangeiro, roupa e outros bens de consumo que aumentarão provavelmente”, bem como da energia, alimentos e medicamentos (pgs. 82, 76 e 86), com um “impacto negativo no rendimento dos trabalhadores e de outros” (pg. 87). Para mais, haveria duas moedas em circulação ao mesmo tempo: “Haverá circulação paralela do euro e do novo dracma durante um tempo, e haverá um sistema dual de preços refletindo a taxa de câmbio flutuante entre os dois” (pg. 84). Segundo Lapavitsas, seria ainda preciso tentar evitar uma corrida aos depósitos, pelo uso da restrição aos depositantes: “Teria de ser declarado um feriado bancário por um período limitado de tempo, talvez uma semana, para diminuir o risco de uma corrida aos bancos. A conversão (nova moeda) teria de ocorrer tão cedo quanto possível, provavelmente numa 6ªF à noite” (pg. 83). Para estes autores, a coisa é portanto simples: só tem sentido defender a saída do euro se esta for gerida por um “governo progressista” que determine uma alteração radical da relação de forças entre as classes. Tudo depende, portanto, da capacidade de recuperação económica com uma nova política industrial, com o relançamento do consumo e com exportações.

É razoavelmente evidente que essas condições políticas dificilmente existirão a curto prazo na Grécia como em Portugal. Os mais fantasiosos dizem que existe uma situação pré-revolucionária em Portugal desde meados de 2011 – mas perdoar-me-ão os leitores que não considere esta interessante análise histórica, porque se trata de uma diversão auto-justificativa. Por isso, volto ao tema desta crónica: a política é a luta concreta para defender os trabalhadores e os seus rendimentos. Essa luta faz-se na oposição ao aumento dos transportes e das taxas moderadoras, dos impostos ou das propinas. É aí que está a chave da política, porque a rejeição da troika e do seu governo é o ponto de partida das alianças necessárias para vencer a austeridade.

Uma esquerda que tenha como programa em Portugal a redução dos salários ou das pensões ou a desvalorização das poupanças dos trabalhadores, por via da operação da desvalorização do novo escudo, com a saída do euro, é simplesmente promotora da desorientação da luta social e do enfraquecimento da frente unitária de que o trabalho precisa para vencer o terror financeiro.

Francisco Louçã
Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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