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Golpe de Estado à Direita

Quando o CDS de Assunção Cristas é o único factor de estabilidade à Direita, resulta claro como o PSD foi perdendo o país à custa do "conto de crianças" de Passos Coelho.

Desde que a "geringonça" juntou peças em acordo parlamentar, o PSD afundou, subalternizou-se e assistiu impávido mas pouco sereno ao arranque da praça do seu táxi favorito ou de eleição. Quando o CDS de Assunção Cristas é o único factor de estabilidade à Direita, resulta claro como o PSD foi perdendo o país à custa do "conto de crianças" de Passos Coelho em férrea e permanente negação da realidade. Ainda que de forma precoce, o CDS consegue criar a ilusão no país de que a maturidade política da Direita já não está puxada ao Centro. Quando Assunção Cristas define as balizas de uma solução governativa, assumindo que pode governar com o PSD ainda que o PS ganhe as eleições legislativas, veste o fato da "geringonça" à Direita e supera a crise existencial onde o PSD ainda está mergulhado. Não consta que Passos venha a retirar o "pin" da lapela até ao Congresso. A solução que resta ao PSD é a de assumir que tem a sua liderança em leilão e que o seu fato à medida veste de saia (ou, em dias de labor, de calças de ganga nos bairros sociais).

Longe vão as declarações de Cecília Meireles sobre o "Governo ilegítimo". A tese do golpe de Estado e da ilegitimidade do actual Governo foi alimentada pelo CDS até ao momento em que olhou para o desfalecimento do seu ex-parceiro de coligação e o viu moribundo. Paulo Portas acolheu a tese da ilegitimidade por conveniência e Cristas só lhe deu continuidade enquanto foi estritamente necessário. Portas assegurava (num debate televisivo com Passos Coelho em 2011) que o PS até podia ganhar eleições desde que o CDS tivesse mais votos que o PSD, levantando a bandeira de uma maioria parlamentar à Direita que governasse o país. Não terá sido por acaso que Paulo Portas foi o primeiro veículo da expressão "geringonça" criada por Vasco Pulido Valente. Compreendia-a como ninguém.

Nos dias que anunciam Rui Rio ou Pedro Santana Lopes como os sucessores a uma coroa inexistente, o exercício mental passa por saber quem poderá ser o melhor parceiro de Cristas para o "golpe de Estado" à Direita. O eterno candidato a algo, Santana Lopes, pode ser a solução mais evidente para um novo baptismo-Valente. É difícil imaginar Rui Rio em coligação com quem quer que seja. Mas o PSD sabe que a volatilidade de Santana Lopes dificilmente ganha uma corrida de fundo que aponte ao horizonte de mais do que uma eleição. Corrida de fundo, só Rui Rio a poderá fazer. Mas há um país dentro do PSD que vai a Congresso a pensar no curto prazo. E a curto prazo, só com um "golpe de Estado". Para Rio, ganhar o país dentro do PSD será sempre mais difícil do que ganhar o país. O PSD, ainda que finja querer recentrar-se, tenderá a querer ultrapassar o seu estado de negação com rapidez e pela direita.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 11 de outubro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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