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Foi o povo pá!

A atitude humorista e caricatural d’Os Homens da Luta irrita muita gente e até alguma esquerda.

Da primeira vez que, em muitos anos, o Festival da Canção teve algum interesse, eu estava entretido com uma caldeirada. Confesso-me desolado.

Só no domingo de manhã dei conta da estonteante vitória d’Os Homens da Luta no programa musical mais querido das famílias portuguesas. E foi também nessa altura que me apercebi da onda de choque que tamanha façanha gerou.

O vídeo da entrega do prédio mostra tudo: a cara incrédula dos protagonistas, a festa dos seus apoiantes, o desalento de quem estava ali por outro artista e, sobretudo, a má educação daqueles e daquelas que, descontentes com o resultado, vaiaram os vencedores ou se levantaram e saíram antes do fim do espectáculo.

A atitude humorista e caricatural d’Os Homens da Luta irrita muita gente e até alguma esquerda. Talvez isso se explique porque as personagens de Gel e Falâncio se montam em algumas ideias que nos são queridas e na herança da luta pós 25 de Abril, ou porque o ar de quem brinca com coisas sérias se sobrepôs, durante muito tempo, ao essencial do seu discurso, marcado pela denuncia das contradições deste país.

Querelas (e marketing) à parte, a verdade é que estes dois, com a sua atitude de épater les bourgeois, são um fenómeno de popularidade e, à sua maneira, ajudaram à tomada de consciência de algumas franjas para a sacanice permanente que cai em cima desse povo (pá!) que tanto os inspira.

Quem já os viu ser recebidos em apoteose em manifestações da CGTP, de Enfermeiros ou dos movimentos contra a Alta Tensão em Meio Urbano, sabe que, no fundo, e tal como a canção da Deolinda, estes dois são uma expressão do desconforto do tempo em que vivemos.

E não esqueçamos que a festivaleira vitória foi garantida pelo povo (pá!), que pagou 60 cêntimos (mais IVA) por cada SMS que permitiu virar o resultado do avesso e mandar estes dois a Düsseldorf para conversações com a Frau Merkel.

No início de várias semanas de intensa luta social, o povo (pá!) deu mais um sinal de estar farto da mesma canção. É desta que ficamos mal vistos lá fora e que os mercados nos arrasam, tal é a nervoseira.

Haja Alegria na Luta.

Sobre o/a autor(a)

Enfermeiro, doutorando em Saúde Internacional no IHMT/NOVA. Deputado municipal em Sintra, eleito pelo Bloco de Esquerda
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