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Fazer um bonito
Clara Ferreira Alves, atenta a esse modo de vida excelente que é escrever bem sem ter de se chatear demasiado com o que escreve, dedicou-se esta semana a uma carta a João Soares. Gosta dele, ninguém lho levará a mal. E quer que ele faça boas coisas. Tanto ministro sem ideias e tantas ideias sem ministro. Prescreveu por isso uma dieta saudável para a sua governação que começa bem em Jorge de Sena e acaba bem depois de outros tantos irrepreensíveis. Entre um memorial numa parede honrada e calafetada para o efeito ou um arquivo com Nome e uns funcionários destacados contra vontade para cuidar do Nome, João Soares cumprirá sem grandes distúrbios e a celeuma costumeira. Fará um bonito, mas não chega.
É daquelas coisas a que a Cultura se presta com resignação, ministros que movem manadas de onde surgem projetos e ideias que, graças a forças e alinhamentos astrais com vários ascendentes, impelem o ministro a tomar decisões que espantam a sociedade (e ele próprio). Gabriela Canavilhas, ministra de si e de Sócrates, escolheu não só concordar como também decidir ela própria construir o novo museu dos coches que Mário Lino, ministro do poder de Sócrates, já tinha decidido e dado ordem para construir. Uma sorte danada que não deixou espantar.
Ora, João Soares não é Gabriela Canavilhas. João Soares é senhor do seu espanto e sabe distribuí-lo com parcimónia. Não está no governo para decidir decisões já antes decididas e isso é bom. Mas também não está na Cultura porque tem pensamento estruturado na matéria, o que evita equívocos mas levanta problemas. Desde logo porque era necessário alguém que compreendesse realmente o que são serviços públicos de cultura e o que é necessário fazer depois da negligência e ativa degradação com que Passos e Portas trataram o setor. Dizem-me que João Soares organizou o Europália 1994. Lamento, mas a época da Cultura de eventos acabou e ainda bem que acabou. Não é de eventos que precisamos e, sobretudo, a orientação estratégica que a Europália pretendia introduzir no país está hoje absolutamente ultrapassada. Temos uma televisão pública sem legitimidade pública, uma rede de museus sem investimento, uma rede de teatros sem equipas nem programação, e uma rede de bibliotecas sem dinheiro para diários e semanários. Eventos são fáceis e dão gosto, dinheiro à gente certa, espanto aos restantes. Mas o que eu queria mesmo são aquelas coisas chatas de que nunca se fala quando se trata de Cultura.
Por isso, aqui deixo a minha lista de desejos: que João Soares cumpra o programa de governo do XXI governo constitucional para a Cultura (se puder evitar as palermices sobre empreendedorismo e criatividade, melhor). Não quero que tenha grandes ideias e, de preferência, que evite ideias excelentes. Gostava mesmo que a rede de museus não fosse espartilhada em ilhas semi-privadas; que os apoios às artes fossem contratualizados a tempo e horas; que o único teatro de ópera do país tivesse verbas para mostrar ópera e a preços acessíveis; que os palácios e património não se transformassem em hotéis e paisagem turística; e outras coisas de tal forma conservadoras que só mesmo a esquerda radical é que continua a falar delas com a devida importância e sem entrar em devaneios sobre criatividades e indústrias e economias da cultura. É um desejo sincero e só contribuiria para algum alívio e legitimidade deste governo. É difícil, custa algum dinheiro e não tem muita publicidade, mas no final até Clara Ferreira Alves irá dizer coisas excelentes.
Comentários
Lamento que o autor que se
Lamento que o autor que se assinava como "produtor cultural" e que agora se assina como estudante, seja tão ligeiro e impreparado na elaboração dos seus textos : o novo museu dos Coches foi encomendado pelo ex-ministro Manuel Pinho e não Mario Lino, e João Soares foi responsável pela Lisboa 94 Capital Europeia da Cultura e não pela Europalia que decorreu em Bruxelas em 91. Conclui- se que à ligeireza da sua (im)preparação, corresponde uma enorme falta de seriedade na análise, de resto já comprovada em artigos anteriores, que resulta da falta de experiência de vida, de obra feita, de qualquer tipo de comprovativo de validade efetiva.
Cruzamo-nos aqui na AR todos os dias. Tenha a coragem de me abordar, diretamente. Terei todo o gosto em lhe ensinar uma ou outra coisa da vida real. Não se esconda atrás do insulto online.
A Catarina Martins merece um assessor com mais carácter.
Espero que este comentário fique aqui e não seja apagado.
Gabriela Canavilhas
Curiosa resposta que, não
Curiosa resposta que, não questionando em nada as afirmações essenciais do artigo, recorre a correcções de detalhe para "fundamentar" o insulto online. Bravo, D. Gabriela, pela lição de vida real
subscrevo quase por inteiro
subscrevo quase por inteiro este artigo sobre políticas culturais, apenas ressalvando que a criatividade, quando o é mesmo, não dever ser confundida com aquilo a que, estou certerio pelo tom do restante artigo, se quer o autor referir e que também subscrevo: as 'palermadas' pós-pós-modernas com mais pós do que modernidade. sei muito bem a que vem clara ferreira alves, depois de "se ter enganado" nos cálculos do que viria, quando esceveu no "expresso" o que escreveu (inspirada na sua condição de bildbergiana e 'funcionária' de serviço para 'opinião intelectualiçada' do chefe máximo português desse clube, agora reformado, de testemunho passado ao sr. durão barroso). é que essa gente coberta de pós-pós (e muita dela escondida na capa de "esquerda", embora "caladinhos" durante a vigência do governo de ocupação estrangeira passos-portas). por isso - na expectativa de ver o que faz joão soares (muito mais do que fez e espero que sem aceitar 'conselhos' dessa tal gentalha), na senda do que diz o autor do artigo, lembro três aspectos importantíssimos neste sector com a entrada em vigência do XXI governo constitucional: o facto de o ministro da cultura ter tomada posse em 8º ou 9º lugar e não 17º (tem significado político); o facto do novo primeiro-ministro, no discurso de posse, ter referido (e cito de cor a ideia, não as palras exactas) o conhecimento (na sua tríade educação, ciência e cultura) por 3 vezes como factor de desenvolvimento - e não apenas económico, mas também de cidadania e 'formação integral do individuo', como diria bento de jesus caraça); e 'last, but not the least', o anúncio posterior da intenção da questão cultural não ficar confinada a um ministério, mas dever atravessar transversalmente todos os ministérios. é, por isso, muito oportuno o artigo e lembrar ao be e ao pcp e ao pev, que também nesta matéria importa 'exigir' que se cumpra tal desígnio. para isso é indispensável que joão soares consiga ser ulisses amarrado ao mastro para não ouvir o canto das sereias, mas igualmente decisivo que, na vigilância da maioria parlamentar democrática, os seus responsáveis ponham também alguma cera nos ouvidos para evitar os contágios das 'opiniões' (leia-se interesses pessoais; e 'posições de classe' para usar jargão marxista) desses pós-pós... com os seus punhos de renda, agora erguidos para puxar a alavanca da caixa registadora e darem sinal de si no meio do 'povoléu'). lúcida intervenção a de tiago ivo cruz.
Caro Castro Guedes, agradeço
Caro Castro Guedes, agradeço o comentário e peço desculpa pelo atraso na resposta. Sim, tem toda a razão quanto à criatividade.
Melhores cumprimentos
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